segunda-feira, fevereiro 12, 2024

 NÃO É QUE NÃO SEJA NECESSÁRIO

Há uma distância grande entre o que se sonhou e o que se vê feito e em cada dia que passa se sente a falta de tempo para acrescentar o que se quis. Depois, olha-se em redor e estranha-se a quase ausência de caminhos nos que ficam, perdidos e desistentes. Não têm noção do que foi e de como era difícil, de como foi necessário até emigrar, fugir a uma guerra estúpida ou ainda mais estúpida do que todas as outras. É preciso falhar para se encontrar o caminho e aprender com os erros. Se assim se não fizer, fica-se convencido de certezas ilusórias. Há uma acomodação à vitimização que rende.
Mas agora há cada vez menos paciência para mudar. Está como está e sente-se que, por mais cético que se seja, ficou melhor. Comodamente apetece desfrutar do que se tem. Devem conservar-se as energias para o combate contra a indigência exigente que pode querer vir a pôr em causa o resultado a que se chegou. Não é preciso provar as castas todas, basta saboreá-las com gosto e chegar a um ponto em que se sente que se teve bastante.
Há outro caminho alternativo, mas possivelmente só lá se chegará no futuro. Às vezes é preciso errar para avançar. O problema maior é não perceber por que se erra.

 A ARTE DA MENTIRA

Nestas coisas muitas vezes as certezas são antes desejos e a realidade é mais incerta do que parece ser. Fui feito em tempos maus e, adolescente, apreciava os que retratavam esses tempos e outros, possivelmente ainda piores, mais antigos. Percebe-se que os meus heróis de então fossem o Soeiro Pereira Gomes, o Alves Redol, o Aquilino e até o Vergílio Ferreira, mais até do que o Eça e nunca o Camilo ou o Júlio Dinis, que denunciavam o país feio em que eu vivia. Na ânsia de os ler, escaparam-me romances onde houvesse mais sonho e beleza. Arranjei aliados para o combate à custa da ausência de argumentos que fizessem sonhar e amolecessem a vida de quem os lê. Endureci.
Hoje, numa visita ao Museu do neo-realismo em Vila Franca, fui assaltado pela ideia de se não seria esta arte um pouco reacionária, se não terá a arte antes o papel de fazer sonhar, mesmo que o sonhado não passe disso e seja uma espécie de antidepressivo que faça tolerar a realidade sem a mudar. A realidade está à vista, a sua representação é um documento histórico, a fotografia de um tempo e, ainda que doa, alerta e não anestesia quem a vê. Há instantes em que a dor é melhor do que o sono, reacionário é o que não desperta.
Hoje, perante algumas adversidades, os jovens não querem que elas lhes sejam mostradas, preferem as visões dos sonhos e também não precisam de aliados para o combate, porque já têm as armas todas ao alcance de um click e o inimigo não é brutal como noutros tempos. Amolecidos de mimos, vitimizam-se com o mundo que lhes prepararam, muitas vezes considerando-se que estão por cá para serem um luxo dos pais e ficam à espera que aconteça em vez de fazerem acontecer. Desde pequenos ostracizaram a leitura e, maiores, consideram inúteis a história e a filosofia, isto é, não sabem de onde vêm nem adquiriram os instrumentos para pensar. A geografia, informa-os de uns sítios onde poderão ir passear um dia. Escolarizados, aprenderam a falar inglês para poderem entender os donos e a fazer segundo as suas normas. São a geração mais bem preparada para servir o sistema, onde criarão valor para os donos. Estão sozinhos, mergulhados nos sonhos dos ecrãs, falta-lhes a energia e aguardam que alguém lhes sirva o mundo dos seus sonhos. Idolatram a barulheira do rock e a gritaria à sua volta, adoram quem grita mais alto e culpabilizam sem piedade os que lhes deram o mundo em que estão. Toda a ruindade do mundo é culpa da peste grisalha, mas, finalmente, chegou o pastor que os vem salvar, cheio de soluções para todos os seus problemas. Nem percebem que o rebanho está a ser levado no caminho do matadouro. (Resta a esperança que, no dia decisivo, fiquem a dormir.)
Estamos no tempo da arte da mentira, mas, reacionário, permanecerei no tempo da realidade.

 SÍNDROME DE ESTOCOLMO

Todos sabemos de pessoas a quem as relações não correram bem. Houve um tempo de paixão em que tudo iria dar certo, mas depois com a vida a andar surgiram as dificuldades, que, tornando-se insanáveis, levam a uma separação inevitável. Também conhecemos aquelas que depois dessa experiência, reincidem na escolha de alguém que lhes volta a parecer perfeito. Desta vez sentem a dificuldade de falhar de novo e sujeitam-se ao que nunca julgaram ser suportável, mas o receio de admitir isso, leva-as a um esforço ainda maior até aquele momento em que já não dá mais. Olham então para a sua vida e quase percebem que um caso e o outro eram, na verdade, parecidos e das duas vezes (acontece que podem ser muito mais do que duas) se tinham apaixonado não por alguém concreto, mas pela imagem que deles faziam e foi a vida que lhes revelou a realidade. O problema é a ilusão ou a vontade de se iludir com um sonho que se imaginou. Mas era apenas um sonho em momentos de paixão. Não basta o sonho nem a esperança de que mudem com o tempo. É assim, a natureza deles e sempre acaba a correr mal. Algumas pessoas, ao fim de umas tentativas de iteração no mesmo erro, desistem e abstêm-se, deixam de procurar, outras, mais curiosas e sábias, acabam por perceber a realidade e ajustam as escolhas, acertando por fim.. Afinal havia outra alternativa que permitia a vida.
Vivem num país onde após uma longa noite de solidões forçadas, nasceu o tempo em que passaram a poder escolher. Iludidas fizeram as escolhas que a imaginação lhes ditou como perfeitos e andam há quase 50 anos a escolher entre um e o outro, chegando sempre à conclusão que não era, afinal, aquilo que tinha imaginado, o seu ideal não corresponde nem de longe ao que a realidade lhes vem sempre a revelar. Eles, manhosos, mudam de cara, gerando novas ilusões, mas a sua natureza maligna permanece. Está na hora de mudar de sonho e, não caindo no desespero do mergulho na solidão de outros tempos porque para pior já basta assim, é necessário ousar pelos mal ditos, que já nos tempos de solidão eram os únicos diferentes e que levaram, com a sua forma de ser, a uma vida digna de ser vivida. Sim, podem fazer isso, quebrar as grilhetas. Ou persistirem na síndrome de Estocolmo.

 SEM PRESSA TEM-SE A CERTEZA

Com o passar dos anos, chegou a um estado de arrogância tranquila. Ainda não frágil, a sua forma de sorrir era cada vez mais segura. Quem o visse e o não conhecesse, achá-lo-ia talvez desinteressante. A verdade é que isso, que noutro tempo o teria preocupado, agora lhe não interessava nada. Enchia-o de gozo sentir-se invisível, e ter, finalmente, acedido aquele estado de mosca que dantes lhe ocorria ao espírito em momentos de agudização da curiosidade. Como gostava de ser mosca, lembrava-se de o ter pensado. Agora podia olhar o mundo agitado a partir da sua calma, porque ninguém lhe daria muita importância e isso enchia-o de uma certeza (que não queria impor a ninguém, porque talvez ninguém a merecesse) de que tempos houve em que a solidez da realidade era bem mais segura do que a volatilidade da virtualidade pouco virtuosa. Havia como que uma degenerescência geracional. Lembrava-se dos professores de antes que eram mestres e comparava-os com os aprendizes de agora, inseguros e a tentarem ter piada. Sim, quem não se dá ao respeito, acaba desrespeitado. Era fatal. Não havia também comparação entre os políticos de antes e os atuais que lhe pareciam jovens de uma qualquer RGA daquelas em que tinha participado na faculdade, a gritarem inseguranças e truques para impressionarem quem os ouve. Nunca o penteado, a barba ou a cor da gravata tinham tido qualquer relevância e nem era preciso dizer a mensagem em 30 segundos no tempo em que havia tempo. A fotografia de um olhar sempre lhe parecera mais forte do que a mobilidade do olhar visto no cinema. Mas também já nem sequer tinha tempo para lamentar a falta do tempo ou a correria que aí ia. Olhava com uma terna saudade o tempo que tinha passado na Paulistana, ali perto do Saldanha, em conversas durante a tarde, depois da bica já tomada. Confortava-o e sorria ao lembrar-se da esperança que tinha nesses tempos que, mais do que isso, era uma certeza, de que melhores tempos teriam de chegar. E chegaram naquela quinta-feira que agora se pode reviver nas fotografias do Alfredo Cunha ou do Gageiro. Sim, isso foram registos cautelosamente feitos porque os rolos tinham limite de disparos ao contrário dos clicks de agora, feitos automaticamente, sem necessidades especiais de pensar o que se está a fazer, acabando por se acumular doses gigantescas de lixo que a inércia não apagará das memórias e quase sempre lá morrerão invisíveis porque não precisam ser reveladas e materializadas em papel fotográfico. Empanturrados de todas as farturas, tinha por eles uma ternura condescendente. Eram fruto do tempo de involução da história como sempre tem acontecido em certos períodos. Sabia que não há mal que sempre dure e isso gerava nele a esperança e a certeza de um dia os netos terem, de novo, tempos de progresso. Nem que fossem os netos dos seus netos. Seria só uma questão de tempo. Afinal, já quando gastava as tardes no café essa era a certeza que o tranquilizava. Como nas ondas da praia também na história, há um vaivém, que, na fotografia, gera um arrasto revelador da beleza sossegada que o tempo de abertura permite ver. É só preciso reduzir a velocidade e ver durante mais tempo, descongelar a realidade instantânea

 A DEBACLE DOS DEBATES

Ontem começou o circo da chamada democracia. Em números de 25 minutos os gladiadores das palavras despejam mensagens nervosas e sorrisos de escárnio sobre o parceiro, disfarçando o nervosismo do embate. Não é propriamente uma tentativa de esclarecimento do que pensam e do que se propõem fazer, mas causar uma boa impressão em quem ouve (?) o que dizem que ali os leva. Nesta atividade são acicatados por um imperador que não busca as ideias deles, mas antes encostá-los às cordas para ver como se conseguem safar. Acontece que esta «moderação» é geralmente feita por papagaios que têm discursos identificados com o patrão que lhes compra a alpista e agem para ser bons profissionais com o objetivo de aumentar a audiência. A audiência, imagino que delire perante estas lutas a ver quem ganha. Já assim era nas arenas em Roma ou nas fogueiras da Inquisição que diziam ser santa. No fim do jogo, vêm as sumidades explicar ao maralhal o que eles estiveram para ali a dizer e levantar o braço do vencedor, que foi o mais assertivo, o que correspondeu mais às expectativas, mostrou estar mais seguro, usou a gravata mais condizente, teve o melhor sorriso e piscou mais ou menos os olhos. Estas sumidades são alegadamente independentes, mas a ouvi-los percebe-se que também têm um patrão a quem têm de agradar e as suas opiniões, necessariamente, são ajustadas ao interesse dele.
E é assim que se forma a opinião do público, afastado de pensar o que quer que seja sobre o que se ouviu, domado pela sapiência dos comentadores. E é assim o público que já na escola preferia ler o resumo dos Maias em vez de ler o livro e se formou a responder aos testes de escolha múltipla em vez de estudar a matéria, porque o importante era o resultado. Sempre que possível copiava-se pelos parceiros, agora basta saber-se o resultado das sondagens, como se sabem feitas por entidades independentes e seguindo a melhor metodologia científica (a da varinha de oliveira na busca da água subterrânea, que, às vezes, até acerta).
A democracia é isto: há uma maioria, com a barriga cheia desta liberdade, que tem o que merece e algum tempo depois diz que não teve nada a ver com o que está a acontecer, que a culpa foi de quem votou neles e uma minoria que estrebucha, de incrédulos no circo, que também tem o que não merece, mas que sente, ao menos, o conforto de não se ter deixado enganar, porque não há machado que corte a raiz ao pensamento.
O que chateia é estar-se a perder a oportunidade de fazer coisas mais bonitas.
Mas, siga a dança.

 VENHAM MAIS

Ainda há coisas raras que vêm por bem como receber um telefonema de um número desconhecido a meio da tarde. O número era desconhecido, mas logo houve uma sonoridade familiar na voz do outro lado. Sim, não estava à espera, claro que não, a gente não pensa, ouvir assim de repente, alguém que já não ouvimos há mais de 40 anos, porque seguimos caminhos diferentes e os contatos que tínhamos se perderam também como as visões matinais quando o nevoeiro fica cerrado. Mas o nevoeiro geralmente levanta. E, mesmo tendo o hábito de ter chamadas telefónicas muito curtas, ali ficámos durante largos minutos numa tentativa bisbilhoteira de recuperar as novidades de 40 anos, tanto foi o que se passou desde o tempo em que os projetos nos uniram, quando delineámos estratégias para o que seria o futuro, e cada um em seu lado, depois, fomos vendo o desmoronar de quase todos os nossos objetivos. Como percebo o teu desconforto pela surpresa da morte do nosso amigo, mas é assim a vida e, hoje em dia, corremos sempre o risco de telefonarmos para alguém que já não está do outro lado da linha ou darmos os parabéns nos aniversários que já não existem a quem deixou o Facebook aberto. É arriscado andarmos distraídos. Salvaram-se as histórias pessoais, os romances e amores, os filhos e os netos que agora temos. De certa forma, são eles que vão acrescentar futuro ao nosso passado. Percebemos que estamos meio conformados com a vida. Nós até nos safámos nestes caminhos do tempo passado, mas agora percebemos que há uma reta final e há um tempo meio urgente de nos revermos, agora que é mais fácil por já termos meios de contacto atualizados. Ainda vai haver tempo para continuarmos a conversa e vermos até onde nos transformámos no tempo que passou e o que fizemos aos sonhos. Estaremos assim tão diferentes? Para já, vais enviar-me o teu livro para te rever um pouco. Olhei agora para a prenda que me deste aos 23 anos.
Fico grato à amizade, esse mistério que pode hibernar durante mais de 40 anos e tem mesmo assim esta potencialidade de renascer. As surpresas tem o encanto de matar as rotinas, mas é muito desconfortável estar muito tempo longe dos amigos. E quantas vezes isso acontece só por uma questão de rotina? Incomoda esta forma distraída de aqui andar.

 AGORA É QUE FOI

Bateu-se no fundo, foi afetado o normal funcionamento da principal instituição do país. Até pode andar toda a gente aos berros que isso pouca importância tem e de tão habitual pode até deixar de ser notícia. Desiludam-se os médicos, os enfermeiros, os professores, os agricultores (não confundir com os lavradores da lavoura), os jornalistas (não confundir com os papagaios) e aceitem a vossa insignificância. Há, finalmente, aqui alguém que atacou os fundamentos do sistema e nos consciencializa da necessidade da mudança. E foi por uma coincidência daquelas que tão raramente acontecem. Subitamente, algures na terra, grassa uma epidemia entre os polícias e um a um dos destacados para o evento ficam debruçados nas sanitas com vómitos incoercíveis, ou nelas sentados a borrarem-se até à desidratação na antecâmara da fatalidade. A OMS, que já tinha alertado para o problema das epidemias, irá com urgência estudar este problema e encontrar o novo vírus ou lá o que for a causa desta maleita que nos põe a todos à beira do abismo. Podemos estar sem médicos, sem enfermeiros, sem professores, com os agricultores a passearem na autoestrada de trator, os jornalistas calados, podemos até estar sem governos no continente ou nas ilhas e sem perspetivas de os virmos a ter, podemos até estar sem país, mas não sobreviverá à falta do futebol. E o pior é que já não se pode chamar a polícia para resolver o problema, porque estão doentes, sem possibilidade de internamento devido às condições caóticas dos hospitais, deseducados pelo desastre da escola pública, famintos porque os campos estão abandonados. E a população já habituada e capaz de resistir a toda a doença, à ignorância, à fome e à desinformação não vai resistir sem poder discutir acaloradamente se houve ou não fora de jogo ou havia lugar à marcação da grande penalidade.
E tudo começou quando o parágrafo ditou o ponto final, dispensando o travessão na outra linha. O diálogo acabou nessa altura.

quinta-feira, fevereiro 01, 2024

 S GAVETAS CHEIAS DE QUASE NADA

Olhou para o móvel de gavetas e contou-as. Ainda se lembrava do comprimento vezes altura e não precisou de ir uma a uma para contar até 60. Se as estivesse a contar, o mais provável era que algo o distraísse a meio e tivesse de voltar ao início. Podia contar de 10 em 10, por exemplo, mas daí a nada já tinham passado 30 ou seriam 40 e teria de recomeçar. Assim, foi mais fácil 10 de largura e seis de altura, eram 60. Sessenta gavetas, castanhas, ornamentadas com um puxador metálico bronzeado pelo tempo, cada um com um pequeno retângulo metálico por baixo, para se lá colocar um papel branco com o conteúdo suposto da gaveta. Tinha chegado a uma fase em que se tinha tornado crente e lhe bastava ler o rótulo sem nunca ter a necessidade de abrir a gaveta para confirmar o que lé estaria dentro. Mesmo não tendo sido ele o autor da catalogação, nem de alguma forma ter contribuído para isso, acreditava piamente nos rótulos sem ter curiosidade pelo conteúdo. Aliás, verificar o que ia dentro de cada uma das 60 gavetas, seria uma tarefa demasiado cansativa e, ainda que estivesse numa fase de desconfiança relativamente a tudo e a todos, era-lhe mais cómodo ir pelos rótulos, acreditando cegamente no que eles lhe diziam. Adorava aquele móvel gaveteiro, com aqueles anúncios do que continha cada gaveta. Aquilo simplificava-lhe a vida e as escolhas. Cada anúncio era uma verdade que lhe dava uma imensa sensação de tranquilidade. Tinha havido tempos em que, descrente, precisava verificar todos os conteúdos, mas depois veio a facilidade dos rótulos e converteu-se aquela fé. Ultimamente, estava a parecer-lhe, que havia um número crescente de gavetas rotuladas com a palavra corrupto. Eram já várias em que surgia depois dessa palavra um número romano. Alguém, supostamente independente, andava a encher as gavetas de supostos corruptos. Sentia uma tendência crescente para que, dentro de algum tempo, o número romano chegasse ao LX. Não sabia exatamente quanto tempo iria demorar, mas essa era a sua principal curiosidade atual. Nessa altura, mais nada haveria dentro do móvel, a fazer fé nas etiquetas dos retângulos metálicos, por baixo dos puxadores bronzeados. Seria o momento de pegar fogo aquele móvel de cerejeira a ponto de nada lhe sobreviver. Foi então, que decidiu, num último esforço, abrir uma gaveta e viu que, apesar do rótulo, estava vazia. Com espanto, abriu mais algumas, quase sempre com o mesmo resultado. Seria possível que os autores das etiquetas das gavetas, maldosamente, o andassem a enganar e o móvel só tivesse gavetas vazias? Desconfiado, percebeu o seu erro de acreditar em tudo, sem tirar a limpo o que dizem os rótulos. Concluiu que era preciso não se ficar pelos anúncios e escrutinar os conteúdos. Era imprescindível fazer uma limpeza dos rótulos e de quem os andava a pôr ou ainda o haviam de engavetar. Assim foi feito e foi, dessa forma, que o móvel se salvou da fogueira anunciada.

terça-feira, janeiro 30, 2024

 MORTE DA ROTINA (NA FORMA TENTADA)

Não haverá, talvez, dias iguais. Para que serviriam os dias iguais? Os dias mudam e neles nos mudamos também, como propôs um dia Heraclito. Mas também pode a sensação da mudança ser ilusória (Parménides). E nisto andamos há mais de 2000 anos.
Descendo à terra e sendo mais objetivos, olhamos a vida como uma finita sucessão de dias e lamentamos a existência de dias iguais ou da rotina, porque estar em dias onde já se esteve nada acrescenta aos dias. É como se desses dias não tivéssemos saído. A vida igual torna-se, dessa forma, mais curta por muitos que sejam os dias. Precisamos, pois, de criar dias novos por uma questão vital. A alternativa é continuar-se igual, na mesma água do rio, deslizando nela sendo-se arrastado, apenas se mudando de lugar, o que possivelmente já é bastante para se estar diferente. De uma maneira ou de outra, a mudança impõe-se. É a vida.

segunda-feira, janeiro 29, 2024

 ANESTESIA OCULTA

O humor está a banalizar-se e a tornar-se uma indústria como os livros de autoajuda ou os centros de preparação física. Nunca como agora houve tantos humoristas, tantos livros de aconselhamento e tantos treinadores pessoais. É como se o mundo, de repente, se tivesse tornado tão complexo e doloroso que para ser suportado precisássemos de quem nos faça rir, nos dê estratégias para o aguentarmos ou nos ajude a substituir o corpo por algo supostamente melhor, mais bem parecido. Então se lhe acrescentarmos umas tatuagens fica-se definitivamente irresistível. O que têm em comum estas atividades? Qualquer uma delas visa facilitar a sobrevivência, pelo mecanismo das válvulas de escape, todas descomprimem e ajudam a aguentar o que nos aperta. Como os medicamentos de suporte, aliviam os sintomas sem tratarem a doença. Na verdade, saudável era ter uma vida que nos desse vontade de rir, nos apoaisse e nos fizesse sentir bem dentro do corpo que temos, ou seja, o objetivo enquanto aqui se anda devia ser a vida mais do que a sobrevivência. Mais do que isso, é bem sabido que a febre ou as dor são mecanismos de defesa, que se anulados podem facilitar a progressão da doença. É a identificação da doença e as suas causas que permitem a cura. Desta forma, o humor, os aconselhamentos da alma e a busca da perfeição do corpo acabam por ser essencialmente atividades reacionárias e que nos afastam da vida, porque nos distraem da busca das causas da sua ausência. Não temos de tolerar o que oprime, é fundamental que a tampa salte e, isso como os rios em tempos de cheia, não é violência. «Violentas são as margens que apertam os rios». Não se vive em anestesia permanente. O fentanil pode matar.

domingo, janeiro 28, 2024

 É ESTRANHO

É estranho viver num mundo de onde a verdade fugiu, porque a liberdade de cada um se arroga a criar uma verdade à própria medida do interesse pessoal. Tento medir se é assim, ou se o sentido é uma miragem e, na verdade, sempre assim terá sido. Fico com alguma saudade do tempo das dúvidas, quando se procurava a verdade, devagar, lendo os livros e não se tinha a arrogância do saber, este saber igual ao dos nossos amigos e que é o oposto dos outros saberes dos que o não são. Este cada um por si, esta demonstração sem bases científicas do saber, este desinteresse mesmo pelos saberes dos outros, esta falta de procura conjunta, que nos deixa sozinhos e perdidos quando se está só, e não se tem de ganhar imediatamente todas as discussões.
Paralelamente à ideia de que se chegou ao fim da história, uma burrice também, há outra que é pensar que se chegou ao fim das incertezas, quando sem elas não é possível a busca do conhecimento, ou mesmo reconhecendo algumas dúvidas, se procura apenas uma resposta rápida e fácil. Chega-se a pensar que tudo se sabe e que há respostas para tudo.
Não vale tudo no conhecimento, que não é uma questão de opinião e muito menos de afirmação em nome da liberdade de pensamento de cada um. Não, nem tudo é relativo e o que liberta, individual e coletivamente, é o que realmente é verdade, a qual se atinge pelo confronto das hipóteses e não pela ausência de argumentação para onde se caminha, porque parece mal argumentar. Perturba o bem-estar. Quando se não argumenta, enquistamo-nos em verdades, e quando há mais do que uma, é porque se não conhece a verdadeira e se fica naquela ignorância feliz que agora tanto se busca. Cada um na sua, é um mundo estranho este em que se fica só, de costas voltadas. Era mais bonito o outro em que se confrontavam as ideias sem medo de parecer mal. Era mais mundo. E menos mudo.

sábado, janeiro 27, 2024

 DO REGISTO E DA MENTIRA

Com as câmaras registam-se as coisas que foram, mas não realmente o que foram. Muito menos se regista o que são ou que hão-de vir a ser. Perante uma câmara que prenuncia um registo, a verdade altera-se para parecer a verdade que se quer seja registada. É dessa forma que os registos são frequentemente mentirosos, exceto quando as imagens são roubadas e os registados não sabem que o estão a ser. A consciência da pose altera a verdade. Fica só o que se quer que seja visto. A verdade está mais na teleobjetiva do que na grande angular. A verdade regista-se à traição evitando a vontade de se ficar bem no registo. A verdade depende de o fotógrafo não permitir que o fotografado faça pose e também de não lhe compor muito a imagem e a posição de quem se está a fotografar. A verdade não é representação, esta é inerente ao espetáculo, que, por definição, pode ilustrar não a realidade, mas o que se quer que ela seja, mas nunca a verdade.
Isto vê-se muito na política, onde aquilo que se diz não corresponde ao que se pensa, mas o que se quer fazer pensar que foi pensado. Diz-se o que se pensa que ficará bem no registo, isto é, o que se imagina que pode agradar, mas esconde-se o que na verdade se pensa por se achar que pode ser desagradável. O escrutínio de quem observa tem de ser muito cuidadoso na procura da verdade e da realidade. É por falta desse exercício exigente que se é enganado tão frequentemente.

sexta-feira, janeiro 26, 2024

 MAIS OU MENOS

Tudo é relativo. Assim, quando se admite a existência de classes ''mais desfavorecidas'' tem de se pensar que haverá outras ''menos desfavorecidas''. O segredo está no mais e no menos e, sente-se que há muito mais ''mais'' e muito menos ''menos''. Até já se percebeu que os ''mais'' são cada vez mais e os ''menos'' cada vez menos, porque os ''menos'' mandam nos ''mais''. Mas se há mais ''mais'' e menos ''menos'', porque diabo os ''mais'' não entendem a sua maioria e, impondo-se democraticamente, não tornam os ´´mais´´ menos e, dessa forma, não conseguem que os ´´menos´´ sejam mais, o que os tornaria todos mais iguais. Pronto, seria assim nem ´´mais´´, nem ´´menos´´ e era tudo mais equitativo.
Também é verdade que alguns passam por isto tudo sem ver nada e são muito felizes. São ´´menos´´ e, serão cada vez menos, se os outros que são mais, concluírem que já basta de serem ''mais'' do que os ''menos''. Afinal, podem ditar as regras do jogo se acreditarem mais neles e se não deixarem ir nos cantos de sereias dos que são menos. Basta pensarem mais nisso.

terça-feira, janeiro 23, 2024

 A CAMA

Anda por cá há mais de 50 ou 60 anos. Resiste. Não é como algumas camas de bonecas que por aí há perfeitinhas made in China sob desenho de uma multinacional americana das prendinhas. Muito seguras, mas banalizadas, abandonadas por quem as recebe nos dias seguintes, porque depois delas logo virão outras e não há tempo para desfrutar tanta abundância na vertigem do consumo. As camas de agora são só mais uma.
Esta é única. Foi feita para a sobrinha, ferro a ferro, cortados por medida, soldados uns aos outros em esquadrias perfeitas, com colunas terminadas em perigosíssimos e aguçados cones, com um M na cabeceira. Foi concebida pelo artista para uma destinatária específica. Sobreviveram a cama, a dona e as memórias dela, a M. Mas sobretudo sobreviveu a ternura com que foi feita e usada. Foi um objeto de brincar, que continua a ser memória, quase uma relíquia.
É uma frase de velho, mas já houve tempos mais reais do que os de hoje.

sábado, janeiro 20, 2024

 O TRIUNFO DOS BIMBOS

Cerca de 40 anos depois da dupla que mudou o mundo inspirada pelos ventos de Chicago, chegamos aos tempos das contradições e enquanto alguns betos querem continuar a destruir o Estado já se começa a perceber que a desregulação realmente desorganiza e, ao contrário, é necessário reerguer o Estado. Durante estes 40 anos, aniquilou-se a cultura, a arte e o pensamento tendo havido uma tentativa mais ou menos conseguida de afirmação da ignorância, do artesanato e da fé. Impôs-se uma doutrina única com pezinhos de lã. Ainda estamos aí, como mostram as notícias que vêm da Argentina, dos Países Baixos ou da Alemanha, por exemplo, que mostram como se empurra com a barriga o que já quase não se mexe. A criatividade foi morta, o dinheiro manda. É o caminho não da felicidade, mas da facilidade. A filosofia fenece substituída pela influenciaria. A música pimba vence a clássica, menos notas dão mais notas, a leitura da literatura, substitui-se pela das Marias na revelação da vida das celebridades, nas artes reproduzem-se modelos de anões para os jardins. É o triunfo dos bimbos anunciando-se já próximos capítulos nos Estados Unidos e também por cá, como se fosse necessário provar o amargo antes de saborear o doce. É o tempo da careta, do esgar e do vómito.
Enojados já o vemos, ele que tem resposta para tudo, ficar em silêncio quando à sua frente alguém é arrastado pelo chão. Não restam dúvidas, a serpente revela-se dentro do ovo. Certamente, ficaremos aliviados no fim, mas vai ser necessária uma limpeza daqui a uns tempos, porque é sabido que o lixo nunca limpou. É preciso lembrar sempre que o melhor tratamento da indisposição é a sua prevenção.

sexta-feira, janeiro 19, 2024

 A SECA DA CHUVA

Aos dias de chuva chama-se mau tempo porque nos dão mais trabalho desde logo a vestir-nos e incomoda ficar-se molhado e termos de nos secar. Realmente, são uma seca. Mas também são eles que nos dão água e é esta que nos dá vida. Também na vida, o que acontece de mau, acaba por ser uma forma de se apreciar aquilo que é bom. Uma das estranhezas dos comportamentos é o pudor da divulgação das coisas más, muito mais ocultadas do que a exposição do que corre bem. Possivelmente, é uma forma de pouparmos aos outros alguma inquietação, de proclamarmos estoicismos ou escondermos sentimentos de falência. Precisamos de divulgar uma imagem de vitória. São exceção as vitimizações, uma busca de conforto, que procura ganhos secundários. De qualquer forma, quase intolerável é sentir-se a piedade dos outros. Ofende a autoestima da cultura individualista em que se mergulhou. Naturalmente, os problemas isolados do indivíduo revelam aos outros mais a sua insuficiência, negligência e falta de querer. A solidariedade é um bem despertado pelas dificuldades coletivas, que precisam ser organizadas para terem esse efeito.
Dizem que de tarde já vai haver sol de novo. Depois da borrasca a luz ganha um novo brilho.

quinta-feira, janeiro 18, 2024

 O OTIMISTA

Olhou em volta e pensou no que iria na cabeça da maioria daqueles todos sobre assuntos triviais como a supremacia branca ou a dos homens, direitos como o de abortar ou a eutanásia, direitos dos que têm opções de género diferentes do habitual ou que são de etnias diferentes da maioritária. Qual o critério que utilizariam para as suas escolhas se chamados a votar, o que mais vantagens lhes pudesse trazer pessoalmente ou outro que valorizasse a liberdade de cada um? E ficou com dúvidas sobre a causa das escolhas individuais e da maioria resultante, mas teve ao mesmo tempo a certeza de que os pretos, as mulheres, os desesperados com sofrimentos sem soluções ou os asiáticos têm direito natural de opção que se sobrepõe ao direito da maioria, por muito maioria que seja. Nessa altura, entendeu que a democracia diz respeito ao coletivo, mas tem de ser limitada pelos direitos do indivíduo, respeitando-se a lei da igualdade. Para torpedear a Igualdade já bastam as condições resultantes da origem social, pois na genética se não encontram tantas diferenças assim. Percebeu também que a Liberdade era um mito enquanto houver desigualdade e que a Fraternidade era uma inexistência perante a ganância individual. Mais de 200 anos depois, a Revolução Francesa continua à espera de ser feita. Habilidosos, os derrotados de então, criaram fantasias como a democracia liberal para se aguentarem à tona e os vencedores temporários da altura continuam à procura da forma de instaurar a Comuna de uma vez por todas. Os mais otimistas sabem que vai acontecer. Os hipócritas dizem que não há alternativa. E assim, nos continuamos a ir arrastados dentro do túnel, sem se ver o fundo, quando poderíamos estar a fazer um mundo de maravilhas sempre adiado para um futuro que teima em não chegar. O mais extraordinário é ainda cada um não ter percebido que andará por aí não mais de umas dezenas de anos e a vida do mundo se mede em biliões de anos, mas mais inacreditável é a maioria continuar a deixar-se levar pelas cantigas de uma ínfima minoria. Como diria o outro, ‘’não havia necessidade’’. Mas como se percebe, ainda há muito tempo para se chegar lá.

quarta-feira, janeiro 17, 2024

 O DISTRAÍDO

O problema começou ao fim de uns anos de por cá andar, naquela altura em que dizem que começamos a ter consciência de nós. Pelo caminho ia pensando se iria conseguir ter aquele brinquedo desejado e na altura em que o recebeu, percebeu também que todo o tempo em que pensou se aquilo iria acontecer tinha sido um tempo em que muito mais coisas teria havido para viver além da obsessão da sua dúvida. Teria sido, desse ponto de vista, um tempo perdido. De seguida, pensou se iria conseguir chegar ao fim do curso também de uma forma obsessiva. No dia da graduação, olhou para trás e percebeu o enorme tempo que tinha perdido com a sua dúvida obsessiva. Quanta coisa não teria havido para desfrutar para além daquela sua dúvida obsessivamente vivida e que lhe não deixava pensar em mais nada nem olhar à sua volta? Foi a altura em que começou a pensar se iria ter um emprego estável. Quando uns anos depois arranjou um, pensou o que teria andado a fazer durante todos aqueles anos, sempre preocupado com a sua nova incerteza. Afinal tinha chegado a sua ocupação garantida, mas ele tinha perdido imensas experiências para sentir sem angústias e tinha-se, afinal, deixado envolver por mais uma preocupação obsessiva. E agora, quando lhe apareceria uma doença, que acabaria por o matar? No dia em que morreu, já não teve oportunidade de pensar mais nas suas obsessões e nas perdas que tinha tido ao longo da sua vida por ter andado sempre com dúvidas sobre o seu futuro. Já era tarde para saber que a vida está no que acontece e não no que poderá acontecer. Como fora possível que durante toda a fase de crescimento, de educação e trabalho nunca tivesse percebido essa coisa tão simples e tenha passado pela vida sempre a olhar para a frente e sem a ver para a ter? Foi traído, o distraído.

segunda-feira, janeiro 15, 2024

 TEXTO EM BRANCO

O que mais o incomodava eram as paredes brancas das casas novas. Aquela uniformidade sem contraste, sem relevo ou profundidade causava-lhe angústia. Se havia um horror ao vácuo, o dele era às paredes novas e despidas, à sua falta de diálogo com o branco que nada lhe transmitia. Doía-lhe a solidão daquela cor que o convidava a que lhe espetasse pregos para lá pendurar quadros. Bolas, nem que fossem telas pintadas uniformemente de branco. Porque não havia dois brancos iguais, algum contraste se geraria devido às incidências variáveis da luz ao longo do dia. Finalmente, a parede branca teria sombras que já não eram absolutamente da cor de nenhum dos brancos que lá estavam e o seu desespero começava a diminuir na substituição da monstruosidade que era a parede branca, que era um muro que o oprimia. Aquela história medonha acabava por ter um final feliz ou, pelo menos, uma felicidade possível como a da visão das montanhas nevadas de neve branca e não da neve preta que o menino de Saramago representou no desenho que intrigou a professora. Afinal, naquele inverno, a mãe dele tinha morrido e isso tinha acabado com a alvura da neve no desenho. É essa capacidade de anulação do branco que pode dar sentido à vida, que tem de ser muito mais do que a busca de se ser adulto enquanto criança, a insegurança em ser-se adulto quando se é e a nostalgia de já o não poder continuar a ser quando se envelhece.
Sempre sentiu a necessidade de acabar com a monotonia do branco e dar-lhe cor. Era assim que também negava as folhas A4.

 5

5 é o número de hoje, mas o relatório da OXFAM 2024 (https://www.oxfam.org.au/.../INEQUALITY-INC-Oxfam-Report...) tem mais números:
Desigualdade em números
• Desde 2020, e o início desta década de divisão, os cinco homens mais ricos do mundo viram suas fortunas mais do que dobrar, enquanto quase cinco bilhões de pessoas viram sua riqueza cair.8
• Se cada um dos cinco homens mais ricos gastasse um milhão de dólares americanos diariamente, eles levariam 476 anos para esgotar sua riqueza combinada.9
• Sete em cada dez das maiores corporações do mundo têm um CEO bilionário ou um bilionário como seu principal acionista.10, 11
• Globalmente, os homens possuem US$105 trilhões a mais em riqueza do que as mulheres - a diferença de riqueza é equivalente a mais de quatro vezes o tamanho da economia dos EUA.12
• Os 1% mais ricos do mundo possuem 43% de todos os ativos financeiros globais.13
• Os 1% mais ricos do mundo emitem tanta poluição de carbono quanto os dois terços mais pobres da humanidade.14
• Nos EUA, a riqueza de uma família negra típica é apenas 15,8% da de uma família branca típica.15 No Brasil, em média, os brancos têm renda mais de 70% maior do que a dos afrodescendentes.16
• Apenas 0,4% das mais de 1.600 maiores e mais influentes empresas do mundo estão comprometidas publicamente em pagar um salário digno a seus trabalhadores e apoiar o pagamento de um salário digno em suas cadeias de valor.17
• Levaria 1.200 anos para uma trabalhadora do setor de saúde e social ganhar o que um CEO nas maiores empresas Fortune 100 ganha em média em um ano.18
Esta é a consequência do modelo de desenvolvimento capitalista dominante. MAS ISTO NÃO É UMA INEVITABILIDADE, tem de haver alternativas! É preciso procurá-las e não continuar a ser enganado pelas mentiras das direitas. O relatório aponta algumas medidas que deveriam constar dos programas dos governos que se elegem. É um pouco longo, mas vale a pena:
''1. REVITALIZAR O ESTADO. Um Estado forte e eficaz é o melhor baluarte contra o poder corporativo. Ele é um provedor de bens públicos; um criador e modelador de mercados; um corretor de falhas de mercado; e um proprietário e operador de empreendimentos comerciais nacionais, respondendo por até 40% da produção doméstica mundial em 2018.80 OS GOVERNOS precisam assumir um papel proativo na moldagem de suas economias para o bem comum. Eles DEVEM:
• GARANTIR SERVIÇOS PÚBLICOS que combatam a desigualdade, INCLUINDO SAÚDE, EDUCAÇÃO, SERVIÇOS DE CUIDADO E SEGURANÇA ALIMENTAR.
• INVESTIR EM TRANSPORTE PÚBLICO, ENERGIA, HABITAÇÃO E OUTRAS INFRAESTRUTURAS PÚBLICAS.
• Explorar um monopólio público ou uma opção pública em setores que são propensos ao poder de monopólio e fundamentais para enfrentar a desigualdade extrema e promover uma transição rápida para longe dos combustíveis fósseis. Estes poderiam incluir ENERGIA PÚBLICA, TRANSPORTE PÚBLICO (onde os custos de investimento em infraestrutura significam que só pode haver um provedor eficiente) e outros setores onde há um benefício nacional significativo.81
• MELHORAR A TRANSPARÊNCIA, A PRESTAÇÃO DE CONTAS E A SUPERVISÃO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS (incluindo as empresas estatais).
• Fortalecer, FINANCIAR E DOTAR DE PESSOAL A CAPACIDADE REGULATÓRIA para fazer cumprir as regulamentações que garantam que o setor privado sirva ao bem comum.
2. REGULAR AS CORPORAÇÕES Os governos precisam usar seu poder para conter o poder desenfreado das corporações e prevenir injustiças em suas cadeias de fornecimento, nacional e internacionalmente. Eles devem:
• QUEBRAR OS MONOPÓLIOS PRIVADOS E LIMITAR O PODER CORPORATIVO. Os governos podem aprender com os casos atuais de antimonopólio, como os dos EUA e da Europa, e com as lições da história onde a concentração de riqueza foi combatida com sucesso.82 Eles também devem acabar com o monopólio sobre o conhecimento, democratizando o comércio e acabando com o abuso das regras de patentes (por exemplo, da Big Pharma sobre os medicamentos) que impulsionam a desigualdade.
• • EMPODERAR TRABALHADORES E COMUNIDADES. As CORPORAÇÕES DEVEM PAGAR SALÁRIOS DIGNOS e se comprometer a garantir a justiça climática e de gênero: pagamentos de dividendos e recompras de ações devem ser proibidos até que isso seja garantido. OS SINDICATOS DEVEM SER APOIADOS, PROTEGIDOS E INCENTIVADOS. A REMUNERAÇÃO DOS CEOS DEVE SER LIMITADA. Os governos devem introduzir medidas legalmente vinculantes para garantir os direitos das mulheres e dos povos racializados, e para garantir a devida diligência obrigatória em direitos humanos e ambientais.
• AUMENTAR RADICALMENTE OS IMPOSTOS SOBRE AS CORPORAÇÕES E OS RICOS INDIVÍDUOS. Isso inclui um imposto permanente sobre a riqueza e um imposto permanente sobre os lucros excessivos. O G20, sob a liderança brasileira, deve defender um novo acordo internacional para aumentar os impostos sobre a renda e a riqueza dos indivíduos mais ricos do mundo.
3. REINVENTAR OS NEGÓCIOS
OS GOVERNOS PODEM USAR SEU PODER PARA REINVENTAR E REORIENTAR O SETOR PRIVADO. Eles devem:
• Usar todo o seu poder para criar e promover uma nova geração de empresas que não colocam os acionistas em primeiro lugar - incluindo cooperativas de trabalhadores e locais, empresas sociais e negócios de comércio justo - que são
propriedade e governados no interesse dos trabalhadores, das comunidades locais e do meio ambiente. Negócios competitivos e lucrativos não precisam ser acorrentados pela ganância dos acionistas.
• FORNECER APOIO FINANCEIRO A NEGÓCIOS EQUITATIVOS. Eles também podem usar instrumentos econômicos como impostos e outros como compras públicas para priorizar modelos de negócios equitativos. Nenhuma ajuda econômica ou contrato governamental deve ser dado a empresas que não estão cumprindo suas metas de emissão zero, pagando salários abaixo do mínimo digno ou sonegando impostos.''

sábado, janeiro 13, 2024

 ‘’VEMOS, OUVIMOS E LEMOS, NÃO PODEMOS IGNORAR’’

Enganei-me quando a 31 de janeiro de 2022 escrevi o Funeral de Mozart e disse «Dos vitoriosos de ontem, dois há que atingiram o seu provável máximo de progressão, um porque os betos não são infinitos, outro porque a falta de escolaridade está a reduzir-se e à medida que o tempo passa alguns dos adeptos já terão partido daqui a quatro anos.» Quanto aos betos ainda estou para ver se o ar carrancudo e zangado do líder atual é mais eficaz que a pose do galã anterior, mas quanto aos outros, ao ouvir certos entrevistados durante a convenção de Viana, houve um erro de análise seguramente. Há um país de gente vingativa, deseducada, miserável, sem esperança e sebastianista que espera que as respostas ao seu infortúnio venham de alguém inspirado num qualquer deus e são também gente jovem que falhou na escola, bebeu demais como tinham feito os seus pais, sempre pronta para dar o golpito, fugir ao imposto ou à dízima como alguns dirão, com um mundo pequenino à sua volta, gente incapaz e preguiçosa para ver para além do nevoeiro, um lúmpen que está por tudo e que, sentindo-se vítimas de tudo, estão dispostas a tudo e que se lixe. Já os houve noutros sítios e na incapacidade que têm de pensar, resta-lhes a capacidade de urrar e porem-se de braço esticado como aconteceu recentemente em Itália. Ufanos, preparam-se para fazer a festa por cá também. Esta gente esteve neutralizada, mas nunca deixou de existir, esta gente assaltou e incendiou sedes de partidos de esquerda depois de abril e foi tolerada pelo silêncio cobarde da imprensa sempre predominantemente comunistofóbica como agora se mantém, pré-anunciando o desaparecimento dos que sempre combateram pela liberdade e deixando à solta os sucessores dos tiranos de então. É a gente que andou de moca em Rio Maior, que foi por duas vezes travada, a 28 de setembro e no 11 de março. Não se lhes pode franquear a porta à chegada, porque eles continuam a andar por aí para comer tudo. Também a 10 de março têm de ser travados.

quarta-feira, janeiro 10, 2024

 HOJE

Ainda há dias que têm horas a menos.
E os livros ficam sossegados, empilhados esperando o próximo nascer do sol.

segunda-feira, janeiro 08, 2024

 A REVISÃO ANUAL

Aparentemente, nascemos como há milhares de anos inaptos, indefesos, incapazes de sobreviver, apenas dotados de reflexos básicos, mas capazes de desenvolvimento, se cuidados. À nossa volta cresceu o conhecimento até agora criado por nós. Durante muito tempo foi transmitido entre gerações, mesmo antes da escrita, através do conto que os mais velhos faziam aos mais novos. Claro que, muitas vezes, os contadores lhe acrescentavam pontos, enriquecendo a narrativa, gerando ao mesmo tempo conhecimentos diversos. Depois colecionaram-se os conhecimentos nos livros e, lendo-os, obtínhamos a compreensão do mundo. A certa altura, percebeu-se a necessidade do conhecimento especializado, porque o limite da capacidade de desenvolvimento individual não permitia organizar todo o conhecimento. Sentimos então a necessidade da interação e de acreditarmos uns nos outros apesar das assimetrias de conhecimentos. Criou-se um exercício complexo gerido pela invenção da ética, que se tornou imperiosa para se evitarem conflitos, que, mostra toda a história, não temos sabido prevenir. Quando há conflitos porque alguém admite comportamentos não éticos no outro, recorre-se a outra invenção, a justiça ou resolve-se a coisa, da forma mais ancestral, através da imposição do mais forte.
Mas na maioria dos casos, somos seres gregários, que aceitamos, por termos uma relação de confiança, o preço do conhecimento dos outros mesmo quando não sabemos nada do assunto. É isso, que permite sairmos da oficina do automóvel e continuarmos a sorrir. Pior será o dia em que uma máquina dialogará connosco cheia de inteligência artificial. Nessa altura, não sei se me irei a ela.

sábado, janeiro 06, 2024

Pequenos diálogos

Ia animada a conversa sobre roubos de telemóveis sempre a aumentar devido à vinda dos imigrantes, claro. «Já passou no Martim Moniz? Qualquer dia nem a polícia lá entra.» O Sr. Manuel dono da mercearia onde vou fazer pequenas compras no comércio local, parece que vai ter de substituir o sapo que tem à porta por outro bicho mais abrangente, porque agora a culpa dos males do mundo já não é só dos ciganos. Abandonei a superioridade moral e o desprezo que às vezes se tem perante a cultura dos leitores do Correio da Manhã e fui à luta manifestando a minha gratidão aos novos ‘’invasores’’ por me assegurarem a reforma que recebo todos os meses e também a não contração da população do país e a sua contribuição para a atenuação da inversão da pirâmide etária. Ao menos quebrou aquele sentimento de impunidade que começa a reinar na afirmação do disparate xenófobo. Calaram-se com algum ar de espanto, pagaram e saíram da loja. Ao Sr. Manuel ainda disse, que mais grave que o roubo dos telemóveis (serão mesmo os imigrantes que os fazem?) são os roubos legais que os bancos nos fazem. Concordou comigo e sorrimos com alguma cumplicidade, desejando um ao outro um bom fim de semana. No comércio local há estes tempos de diálogo.

sexta-feira, janeiro 05, 2024

CADA VEZ MAIS POBRES, DIZEM OS RICOS

Introdução: Portugal cada vez mais pobre, dizem. Já fomos ultrapassados pela Eslovénia, Malta, Chéquia, Eslováquia, Lituânia, Estónia, Polónia, Hungria. Visitei alguns desses países e, sinceramente, fiquei com dúvidas.

Métodos: Agora fui consultar os dados de alguns parâmetros, nomeadamente, ordenado mínimo, taxa de desemprego, despesa per capita em saúde, nível de educação terciária até aos 35 anos e alguns índices do NUMBEO, tais como o índice de qualidade de vida, Índices de Cuidados de saúde e o Índice de custo de vida.
Resultados: Ordenado mínimo: com exceção da Eslovénia todos os países referidos têm salários mimos inferiores ao de Portugal oscilando entre 542€ na Hungria até aos 792€ em Malta; Taxa de desemprego: em Portugal é de 6,6% e dois países têm taxas ligeiramente superiores (até 7,9% na Lituânia) e seis têm taxas inferiores (até 3,4% na Polónia); Despesa per capita em Saúde: todos os países têm despesa em saúde per capita inferiores a Portugal; Nível de educação analisado: só a Eslovénia e a Lituânia têm maiores percentagens do que Portugal, a Estónia a percentagem é igual e nos restantes 5 é inferior; Índice de Qualidade de vida: melhor do que em Portugal em dois (Eslovénia e Estónia), pior em seis. Índice de Cuidados em Saúde: melhor na Chéquia e na Estónia, pior nos outros seis; e Índice de custo de vida: mais elevado em todos, com exceção da Polónia.
Discussão: Os resultados confirmam a impressão subjetiva que já tinha. Globalmente, os resultados sugerem que viver em Portugal continua a ser melhor do que viver nos países que dizem nos terem ultrapassado pela direita. Não se confirma a tese dos ricos, que dizem estarem os portugueses cada vez mais pobres. Há duas realidades distintas, a das pessoas e a dos países como, aliás, o grande ideólogo e grande líder Montenegro já tinha referido quando estavam no poder: "A vida das pessoas não está melhor, mas a do país está muito melhor".
Conclusâo: Em março, vai ser necessário optar entre a melhoria de Portugal e a dos portugueses. Que cada português escolha segundo o seu interesse tendo em conta que as ultrapassagens pela direita além de ilícitas, levam a resultados duvidosos para as pessoas.

quinta-feira, janeiro 04, 2024

PAROLE

Hoje aconteceu, a acompanhar o esparguete com gambas, ouvir ao almoço música italiana, daquela que existia antes da colonização cultural da Europa. Houve um tempo em que em Itália, França e até no Reino Unido nasciam canções e se fazia cinema de grande qualidade. Depois o rolo compressor das audiências impôs-se e o santo mercado com o critério único da quantidade e das vendas matou as Gigliola Cinquetti, os Nicola di Bari e os Gianni Morandi de Itália e os Jacques Brel, Aznavour, Brassens, Leo Ferré, Ferrat e tantos outros em França. Dominados pelos critérios americanos, a Europa desistiu, parou, rendeu-se. Ainda se fosse em nome de um mundo melhor seria aceitável o sacrifício, mas o que obtivemos em troca foi apenas conteúdo oco e alienação onde as ideias foram espezinhadas pelo poder dos milhões de dólares das indústrias do entretenimento. O dito mundo livre, ditou a sua lei e impôs o seu modelo vazio. O tal cheio de virtudes ocidentais que poderá levar Trump de novo ao poder, eleito democraticamente, como dizem. Parole, parole.

Foi um misto de saudade e revolta que me aconteceu ao almoço.

quarta-feira, janeiro 03, 2024

SOS SNS

Na terra dos apaixonados que nunca experimentaram, ouvimos as opiniões que têm, só porque lhes contaram. São crentes, sempre prontos a espalhar a fé que lhes pregam. E fazem-no com a convicção dos pregadores, por exemplo, daquelas que de microfone apertado na mão ali à porta das urgências dos hospitais anunciam a sua verdade, gritando mais do que muitas parturientes no ato que as levou ali. Lá dentro há a tranquilidade com que agora se resgata o que esteve guardado nove meses e que até já parece rir pelo meio de algum choro que anuncia vitalidade. Mas à porta da urgência a gritaria é aflita. Não sei quantas horas de espera, aqui 15, no Porto são só 2. Até dá para apanhar o Alfa e ir à invicta, carago!

Assim, uma legião de não conhecedores da realidade das urgências ou da assistência nos serviços públicos, acredita que o SNS está completamente decrépito. Para o descrédito, contribuem a quase generalidade dos políticos, ávidos ou da facilidade dos votos ou envolvidos na promoção ativa dos negócios privados da doença.
Na verdade, das hordas que vão às urgências só uma ínfima minoria ali deveria ir à semelhança do que acontece nos países civilizados. Aqui, criado que foi o hábito desde sempre e por todos os governos, de não haver acesso à medicina de proximidade nos cuidados primários, subalternizando-se os cuidados à loucura do hospitalocentrismo, ainda se não se experimentou ir onde se deve quando se tem tosse ou doi a barriguinha cheias de sonhos e coscorões. E parece que algum acesso se tem criado, nos tempos mais recentes. Parece que à maneira do Norte onde a espera é mais curta… Há que experimentar, mas vai levar tempo. A ansiedade e gritaria que aí vai é capaz de traduzir o receio de que as coisas melhorem por aqui e lá se vai o negócio da saúde privada, que segundo uma notável gestora, será o terceiro mais rentável depois da droga e da guerra.
Mas ao lado da desgraça de quem nunca praticou, há uma certa confiança e aprovação dos praticantes. Todos já ouvimos alguém falar da excelência de atendimento nos serviços públicos, da simpatia e competência dos seus vários profissionais. Mas isso só está ao alcance de quem pratica, o que não é o caso da maioria dos palradores. Por outro lado, não há informação validada sobre o que se passa na presumida excelência dos cuidados privados, cujos créditos se manifestam logo que se lá entra pela exigência de apresentação dos respetivos cartões… de crédito.
Como experiência pessoal, testemunho que das vezes que recorri aos serviços públicos, fui atendido e tratado com toda a amabilidade e eficiência. Acaba-se vivo.
A experiência que tive num hospital privado foi de aluguer de instalações para uma intervenção delicada, isto é, toda a equipa médica deslocou-se de Santa Maria para lá executar o procedimento. Beneficiário da ADSE (devo fazer parte do terço de portugueses que se considera ter um seguro de saúde) quis saber quanto me iria custar o procedimento, alguns meses antes. Criada uma expectativa de pouco mais de uma dezena de milhar de euros, perante a minha insistência em ter uma estimativa rigorosa, fui procurando uma resposta definitiva que só veio dois dias antes de marcada a intervenção e inflacionada para o quádruplo da conversa inicial. Nesta coisa da saúde, não há tempo para pedir mais orçamentos a outras entidades e, quando é possível, avança-se e o pagamento é feito, não como nas oficinas de automóveis quando se vai buscar viatura, mas à cabeça (devem ter medo de causarem uma avaria definitiva e já não haver quem pague a conta…) Acontece que o tal seguro que tenho acabou por só comparticipar cerca 10% dos custos. Neste sistema acaba-se quase ou mesmo falido.
Fica o registo, como aviso, para os ansiosos do Sistema Nacional de Saúde. Todo o cuidado é pouco e tudo tem de ser feito na melhor gestão do SERVIÇO Nacional de Saúde para que este nunca acabe. O SNS é a grande manifestação e demonstração prática da liberdade conquistada há quase 50 anos.

terça-feira, janeiro 02, 2024

DESEJOS

Nesta coisa dos desejos e votos de Ano Novo, assim de repente, parece-me que ganha a saúde. A paz também não estará mal classificada e, às vezes, há os mais realistas a falar de dinheiro. Há também uns manhosos e jovens liberais que desejam boas realizações. Suponho que estão a falar de comissões e coisas do género, ou seja, de mais uns pontos percentuais de aumento na folha de Excel. São os que querem subir sempre, todos os anos, a gerar valor para o acionista. De tanto subirem, os pés vão descolar um dia do chão e o risco de queda séria é real. Curiosamente, o antigo desejo de prosperidade está quase desaparecido. Será que isso traduz o conformismo com a crise permanente? As expectativas andam por baixo. Mas o mais estranho e inquietante é a quase ausência do Amor nos desejos. Se pensarmos que não é um bem tão universalmente distribuído, fica-se a pensar que a omissão possa traduzir desilusão e desistência.

Para a sobrevivência é necessária a paz e a saúde, na vida muito mais do que isso. Voemos.

segunda-feira, janeiro 01, 2024

VOTOS DE ANO NOVO

Quem diz isto, é alguém que dentro de horas passará pela septuagésima vez de um Ano Velho para um Ano Novo. Ao fim de 70 vezes, já dá para perceber que a maior parte do novo será apenas mais do velho e, por isso, não há grandes expectativas de novidades surpreendentes. Afinal as guerras irão continuar, mesmo que acabem algumas e surjam novas, a maioria dos companheiros de jornada continuará apenas a sobreviver, mesmo que uns poucos, com mais sorte, possamos continuar a viver, a saúde terá tendência a piorar porque a idade não perdoa, mesmo que transitoriamente possa melhorar e continuaremos a rir, mesmo que choremos algumas vezes. Setenta vezes depois, posso apenas desejar que tenham vontade de celebrar todos os dias novos sem vontade de perder tempo com o passado. Pensar o passado é um exercício inútil, pois não quereremos repetir as coisas más e, mesmo as coisas boas que aconteceram, já passaram e só nos resta fazer outras tão boas ou melhores do que essas. Regressemos ao futuro, porque o passado está morto. No próximo abril terão passado 50 anos em que mudou a vida de quase todos. Que o próximo março, não estrague o que abril abriu. Juntem os vossos aos meus votos e o sol brilhará para todos nós.

Recomeço

A partir de 1 de janeiro 2024, publicarei aqui alguns dos textos também publicados no Facebook.