segunda-feira, janeiro 15, 2024

 TEXTO EM BRANCO

O que mais o incomodava eram as paredes brancas das casas novas. Aquela uniformidade sem contraste, sem relevo ou profundidade causava-lhe angústia. Se havia um horror ao vácuo, o dele era às paredes novas e despidas, à sua falta de diálogo com o branco que nada lhe transmitia. Doía-lhe a solidão daquela cor que o convidava a que lhe espetasse pregos para lá pendurar quadros. Bolas, nem que fossem telas pintadas uniformemente de branco. Porque não havia dois brancos iguais, algum contraste se geraria devido às incidências variáveis da luz ao longo do dia. Finalmente, a parede branca teria sombras que já não eram absolutamente da cor de nenhum dos brancos que lá estavam e o seu desespero começava a diminuir na substituição da monstruosidade que era a parede branca, que era um muro que o oprimia. Aquela história medonha acabava por ter um final feliz ou, pelo menos, uma felicidade possível como a da visão das montanhas nevadas de neve branca e não da neve preta que o menino de Saramago representou no desenho que intrigou a professora. Afinal, naquele inverno, a mãe dele tinha morrido e isso tinha acabado com a alvura da neve no desenho. É essa capacidade de anulação do branco que pode dar sentido à vida, que tem de ser muito mais do que a busca de se ser adulto enquanto criança, a insegurança em ser-se adulto quando se é e a nostalgia de já o não poder continuar a ser quando se envelhece.
Sempre sentiu a necessidade de acabar com a monotonia do branco e dar-lhe cor. Era assim que também negava as folhas A4.

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