quarta-feira, agosto 24, 2005

From Nairobi

Chegados, finalmente, ao dia em que vamos deixar os little two, entregues aos «avós», e partimos em busca dos big five.
O primeiro dia de safari é passado, em viagem, até Nairobi. Dado que ainda não temos o aeroporto na Ota (depois é que vamos ver os europeus todos a passar pelo superaeroporto) por enquanto, para irmos até África, demonstramos que o caminho mais curto entre dois pontos não é a recta que os une, mas o ziguezague a que nos obrigam para aumentar o número de milhas do passageiro frequente. Temos, assim, que ir dar um saltinho ao apeadeiro de Amesterdão, para depois seguir viagem. Valeu pela visão de um país feito de longas tiras verdes entrecortadas por caminhos de água. Depois de uma viagem em que os únicos registos de interesse foi ler na revista da KLM que um surfista americano processou outro porque ele lhe tinha roubado uma onda, naquilo que me parece mais um registo do avanço cultural de um Povo e de confirmar que nos voos das companhias de aviação europeias teremos que começar muito seriamente a pensar em levar um farnel para a viagem, tal a qualidade e abundância das refeições a bordo, lá aterrámos em Schippol. De pés bem assentes no chão, que dizem estar abaixo do nível do mar, calcorreámos as lojas do aeroporto. Fico com a impressão que a Europa (esta, não naquele princípio da coisa em que eu vivo) deve ser um bom sítio para se ganhar dinheiro (a julgar pelos preços do que vejo). Depois, mais valerá dar um salto Às compras aos States…
O voo para o Quénia é feito num 777 da Kenya Airlines. Um bicho simpático, de poltronas acolhedoras e bem equipado de filmes e outros passatempos on demand. Aqui ainda servem bebidas aos passageiros e comecei por experimentar uma cerveja africana de seu nome Tusker. Tusker foi elefante, antes de ser cerveja e o dono da cervejeira chamou-lhe assim, porque o bicho lhe matou um familiar. É uma cerveja leve, que cumpre a sua função não derrubando quem a bebe. Neste caso fui eu que provoquei a Tusker empurrando-a com a revista da companhia e o resultado foi ficar com as calças com ar de quem já não podia mais, mas neste caso o sentido do líquido foi de fora para dentro e não o contrário. Nada que quase oito horas de voo em ambiente seco não se resolva, com a vantagem de ter vestidas umas calças cor de cerveja, percebi no fim, porque quase se não nota a mancha… Depois de jantar uma coisas pequeninas em caixinhas pequeninas ainda deu para estender os pés pelos bancos do lado (vazios!) e fazer que se dormia antes de se chegar a Nairobi, pouco antes das seis da manhã, quase imediatamente antes do sol nascer. Está fresco, sem humidade excessiva.
Espera-me um letreiro com o meu nome e uma simpática guia que nos leva até uma carrinha velha e ronceira. Apresenta-nos o plano dos próximos dias e levam-nos até ao hotel passando numa estrada à beira da savana que serve para o motorista nos ir mostrando algumas gazelas e a zona industrial, o centro de congressos e o trânsito matinal desta cidade. Como nas outras com uma diferença notável: anda imensa gente a pé, nos caminhos de terra à beira da estrada, a caminho do trabalho, imagino. O trânsito tem o ar anárquico de outros sítios, os carros são semi-velhos à maneira de Queens, por exemplo. Pelo caminho vemos também os efeitos da deslocalização com fábricas de pneus e até de automóveis. Que salários? Por timidez, não perguntei.
Lá chegámos ao hotel Nairobi Safari Club, bem no centro da cidade. É um hotel simpático old-fashioned, lembrando luxos coloniais. Começávamos a instalar-nos para um sono matinal reparador, quando o telefone tocou. Afinal, o motorista tinha-se enganado e o hotel era outro… Nada que se não espere neste clima. Em tudo o que nos acontece, algo se pode ganhar. Neste caso, algumas peças de fruta tropical e uns chinelos de recordação.
Finalmente, cá nos trouxeram para o Nairobi Mayfair Court, onde agora escrevo. Simpático, com uns jardins dispostos por pátios interiores que conduzem à piscina, onde a esta hora ainda não se vê ninguém. Uma boa dose de confusão no registo, com os quartos ainda por preparar. Passada uma meia hora lá nos arranjam um dos dois quartos, onde estas três alminhas estão nesta altura ferradas no sono. Eu espero pelo outro. Vão-me telefonar assim que esteja, garantiram-me ainda agora na recepção. Aproveitei a pausa para aqui deixar registo de mais uns momentos.
Ao ligar o computador reparei que encontrou rede e aproveito para ter esta experiência de consultar o correio electrónico, ver mais uns comentários às fotos dos Olhares e actualizar (desde África!) o blogue… Desde Nairobi, provavelmente para muito pouca gente, mas para me lembrar que aconteceu uma vez que estive IN Africa, um continente com surpresas.

segunda-feira, agosto 22, 2005

Momentos de férias

Tempos
Era relativamente frequente ouvir falar na vontade de sacrifício no presente para se ter um futuro melhor. O engraçado é que geralmente resultava. Vivia-se num sistema seguro, de garantias e valores, em que o controlo sobre a vida era grande. Se actuássemos de determinada forma, era previsível que o resultado algum tempo depois fosse o esperado. Acreditava-se na capacidade individual de, agindo dentro da colectividade, transformar o nosso mundo, porque havia um cimento de regras que tornavam o efeito uma consequência da acção. Podíamos agir com um sentido.
Aos poucos, porém, o mundo foi-se transformando, dando-nos a ideia da possibilidade de futuro incerto ou mesmo inexistente. Apressámo-nos num desejo irracional de voracidade de presente. Agora, omnipresente, único espaço de se estar. Nesta mudança começou-se por despeitar o passado, considerado coisa morta. É a queda da importância das biografias e o apogeu das celebridades. O exemplo mudou-se de modelos passados para ícones presentes. Passámos a reagir ao momento em vez de agir para criação do novo.
Nesta transformação fica-se diferente, a insegurança gera os medos, a falta de futuro, termina a esperança. Estaremos preparados para viver sem ela?
Por que mudámos? O mais provável é não termos percebido a razão. Teremos já percebido que mudámos ou à força de nos vermos todos os dias, nem demos conta das diferenças? A recente vitória do Liberalismo criou no mundo a anestesia do fim da história através de um sistema bem montado de marketing em que nos é apresentado como única via. Na verdade, a história é feita de fluxos e refluxos, ascensões e quedas, com presentes transitórios e futuros sempre triunfantes sobre os presentes dominantes. Assim irá provavelmente continuar a ser. Mais importante que a liberdade do indivíduo, iremos ter a nostalgia da liberdade do Homem, porque a solidão não é estado de espírito que nos faça sentir bem. Sempre acabamos por precisar dos outros. De outra forma não teríamos feito a história de grupos, nações e de toda a Humanidade. Teríamos simplesmente criado currículos de vida. E isso, todos perceberemos, teria sido pouco. Por isso, tenho esperança, coisa de que o Liberalismo abdicou, na sua submissão à realização do momento.
Novos amanheceres acabarão por surgir, como sempre tem acontecido, porque a esperança é vital ou a última a morrer, como dizem.

Numa semana de tempo, apenas rabisquei isto. Hoje sobrou-me tempo para fazer o copy paste deste bocado de férias. Num dos intervalos de ir em busca de vistos. Pelo caminho dei conta de que os big five afinal andam à solta debaixo dum viaduto em Sete Rios, desenhados por Resende, numa antevisão do Quénia. Já lá tinha passado antes, mas foi hoje que os vi, confirmando que são precisos os contextos para vermos os textos com outros olhos.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Fascismo nunca mais!

A um dia de começar as minhas, soube-me bem ler isto. Vou, finalmente, contribuir para a falta de produtividade deste país, juntar-me a todos os que já andam por estes caminhos de perdição que são não estar a trabalhar de sol a sol, o verdadeiro desígnio de qualquer cidadão honesto e empenhado na luta por uam economia crescente. Na vanguarda lá estão os Estados Unidos, onde está assegurado que não há direitos sociais, para garantir a santa economia. O caminho deve ser por aí e devemos perseguir tudo o que ainda cheire ou sugira vagamente qualquer direito social, pois isso apenas contribui para o mal estar da economia, cujo bem estar todos deveremos assegurar. Patrioticamente, de mão sobre o peito sempre ao levantarmo-nos de manhã, de preferência entoando um hino de louvor à Economia, que isso de Pátria é um valor do passado e só sugere nacionalismos retrógrados, verdadeiros empecilhos do progresso da economia. A submissão deve ser total aos valores da economia, seguindo a grande liderança do Império. Só um valor, a economia! Só uma mãe, a economia! Só um destino, a economia!
Houve, aqui, um tempo em que não havia férias. Acabou em Abril há mais de 30 anos... E já agora, que tal voltarmos à produtividade do esclavagismo? Quem escreve estas notícias merecia que os mandasse para o sítio adequado, só que este é um blogue onde a boa educação é preservada. Mas dá para perceber a objectividade da nossa imprensa rica e independente....

quarta-feira, agosto 10, 2005

A estranha sensação de que se foi comigo na boca

Num destes momentos ainda não consigo outra maneira de estar, que esta de me sentir, meio suspenso algures no espaço. As palavras somem-se-me da cabeça e não chegam à boca. É um tempo longo até que surjam.
Pelo corredor, vestida de preto, dirigiu-se-me perguntando se era eu, ao que lhe garanti que sim, sem saber de onde me vinha esta súbita celebridade, em que povo anónimo me conhece nas ruas. Depois veio a história: o senhor José era para vir à consulta em Setembro, mas já não vem. Estava a olhar para o livro da marcação das consultas e a falar do meu nome e caiu redondo no chão. Era só para me conhecer, ela que já ouvira falar muito de mim, para dizer obrigado. Neste instante passam-me pela cabeça o ar de gratidão de quando o curei, como ele dizia, do hipertiroidismo; as formas como me tentava dar a volta nos controlos da glicemia; a postura optimista de que estava óptimo e não era graças a Deus, que alguns ainda reconhecem a acção dos fármacos; as histórias dos ciúmes da mulher e das suas aventuras. Por fim, lá me lembrei de referir a quase sorte de se morrer sem sofrimento. Pois é, às vezes, é como uma benção.
Esta profissão tem muitas mais experiências além da gestão, do êxito da apresentação e dos casos clínicos raros. Deve ser por isto que vale a pena.

terça-feira, agosto 09, 2005

Fogo!

Mais um ano em que a ineficiência privada, afecta o público em geral, a ser declarada a tal medda de calamidade pública. Na verdade, os grandes defensores do princípio utilizador-pagador onde andam por estas alturas? A banhos provavelmente. Mas na verdade, nós todos, os que não temos um carvalho, um pinheiro nem sequer um eucalipto, deveremos ter de pagar os prejuízos dos que em melhores alturas vendem a madeira, quantas vezes em cash? Quem não investiu na profilaxia e não limpou os terrenos? Não deveria ser criado um qualquer seguro obrigatório para os proprietários de mata, como acontece com os automóveis? É que ou há moralidade ou serão sempre os proprietários a safarem-se?

segunda-feira, agosto 08, 2005

A última semana (antes de férias)


Sempre me fica a ideia de que os almoços não são grátis. Mas, mais uma vez, me parece que não pago a conta. Sinto que a independência cresce também à medida do meu crescimento. Posso, assim, gozar alguns olhares serenos:

Fim de semana

Na sexta-feira um miúdo enforcou-se. O pai tinha ido ver se as propriedades estavam a arder, o gado estava à sede e ele, com 14 anos, pegou no carro e foi dar de beber aos bichos. Na volta a coisa correu mal, abalroou outro e não aguentou. A vida sempre fora fácil, linear. A única coisa que não tinha ainda aprendido era a sofrer, a ser capaz de enfrentar a grande cacetada que um dia, quase sempre chega. A vida deve ser ensinada a ser complexa, o grande objectivo não será o êxito, mas a capacidade de ultrapassar as barreiras. As vitórias só o são quando o adversário é maior do que nós.

Esteve um sábado quente como me não lembro naquela terra. Um sábado de calma e refresco. Nem me lembrei de ir comprar o Expresso.

O domingo passou, acrescentando ao fim de semana mais umas horas de paz. Ao fim da tarde, as águas do oceano estavam tranquilas como se não costumam ver.

Em resumo, um fim de semana bem circunscrito e decentemente lavrado pelo tempo que passou.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Roubado na Lancet:

“How to improve the NHS? Just complain more”, so ran the headline of an interview with Liam Donaldson, the UK's Chief Medical Officer, published in the UK newspaper The Times on July 19. Donaldson wants patients' feedback to assume a similar role to that of customer feedback in big supermarket chains. No bad apples, no goods beyond their sell-by date, and as much choice as possible. “We want people to have high expectations because it's only by stretching ourselves and being ambitious … that we find ways of doing things differently”, he explains.
This interview coincided with the launch of his fourth annual report, which includes a curious choice of topics as disparate as tobacco smuggling, food in the public sector, prevalence of gastroschisis, and patient safety alerts in the NHS. The report claims to draw attention to the major challenges in health and health care facing the UK, particularly where current action is not sufficient to fully address them. One of the most important challenges facing modern medicine, however, is at best left unheeded, at worst severely undermined, by the emphasis on a patients' complaints culture: the need to strengthen the patient-doctor partnership.
Patients' trust in the medical profession has been seriously shaken by high-profile cases of medical negligence and crime, such as those of the Bristol cardiac surgeons and of Harold Shipman, respectively. And press interest has continued to focus on doctors accused of incompetence, leading to a distorted and false picture that suggests widespread untrustworthiness. In reality, most doctors are extremely hard working under often difficult conditions. Many health-care workers face daily threats and verbal and physical abuse by patients with expectations that are simply beyond what today's health service can provide.
Doctors and governmental organisations need to do everything they can to rebuild the public's trust in medicine. Safeguards need to be in place to recognise problems early. When problems occur, they have to be dealt with swiftly and fairly by appropriate due process. Patients should have adequate information about their care and medication, and easy, not target-driven, access to medical services. An important part of rebuilding trust is, however, lacking. To achieve the right balance, the Government needs to send a stronger signal that the medical profession is valued and that its skills, knowledge, and professionalism are recognised as key to peoples' health. Instead the message continues to be a divisive one: the NHS should be patient-led, patients need to complain more, people should have choice and control over the care they get. And doctors are obstacles to this patient-friendly agenda.
The UK Healthcare Commission released its annual report on the State of Healthcare 2005 on July 18. The report covers three main questions: do people receive effective health care; do people have enough control over the care they receive; and do some people get a better deal from health care than others? All these questions are explored from the patients' point of view. The report concludes that significant improvement is still needed in relation to the level of patient involvement in decisions about health care. And that improvements to services will hopefully continue with patients' needs, rather than the needs of those delivering services, in mind. Surely, a well-functioning health-care system should have the needs of those getting care and those delivering it in mind. Nowhere is this acknowledged.
The Commission's report highlights and echoes the Government's view only too well. Doctors, hospitals, and primary-care trusts on one side, patients on the other. In the middle a chasm of mistrust, anger, and frustration. A previously paternalistic medical system has been rightly changed into a patient-centred NHS. But does this mean that patients as consumers should lead, and that doctors and health-care systems should merely follow?
Patients have a wealth of information at their fingertips through the internet. What most do not have, however, is the skill and knowledge to sift useful and valid information and evidence from useless or harmful advice. In a mutually beneficial and effective patient-doctor partnership, medical expertise and knowledge need to be an accepted and valued part of that interaction, just as much as doctors need to have the time and skills to communicate preventive measures and treatment choices to patients appropriately.
Patients do not need to complain more. Instead, doctors and patients need to listen to one another more. Naked consumerism will not lead to better health.

Pois é!

Mais de 40º

Era diferente quando naquele tempo passeava à noite levando com o bafo do ar quente pela cara. Era agradável quase uma graça da vida aquele calor na noite do Algarve ou na outra que me lembro de Málaga.
Agora, sinto remorsos ecológicos, parece cheirar-se um ar de tragédia pelos fogos que por aí lavram (sem que nada de bom essa lavoura à terra traga) antes de serem circunscritos (imagino bombeiros de lápis na mão a fazerem círculos à volta das chamas e elas a não darem pela fita que deve ter escrito Do not pass). O foguês depois do futebolês.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Ruído

Mais uma vez assisto a esta coisa relativamente nova em que um minuto de silêncio é substituído por um minuto de palmas ruidosas. Como se o silêncio, de repente, se tivesse tornado impossível e o ruído absolutamente necessário. Será que já não conseguimos sequer ter o recolhimento reflexivo que só o silêncio permite?
Mas eu sou um apaixonado do som do silêncio, aquele que se ouve no pico da montanha, sossegado e sem música ambiente omnipresente.

terça-feira, agosto 02, 2005

Poder e terrorismo

Nada é neutro e é sempre possível olhar os fenómenos de um ou outro lado. Olhamos, simplesmente, do lado em que nos encontramos. Naturalmente somos assim. Depois há o poder que nos tenta mostrar a forma melhor de ver. Podemos ou não render-nos. Para mim faz sentido esta notícia que poucos lerão hoje neste mundo onde um poder esconde as notícias que outro poder, noutro lugar, mostra.
Terrorista é palavra gasta. Sempre os de ontem, deixarão de o ser logo cheguem ao poder. Foi assim no Vietname ou nas colónias. Seria assim em muitos mais outros lugares.
Mas hoje o que o poder acha importante é discutir se o actual PR deveria ou não ter recebido o Mário Soares. Naturalmente, o exercício do poder é isso mesmo. Mostrar o que mais jeito der.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Mudar

É sempre algo que apetece ao fim de algum tempo. Mesmo quando tudo está bem, a monotonia cansa-nos. Nessa altura pintamos a casa de novo, mudamos os móveis de sítio para que tudo fique na mesma. Pelo caminho, surgem sempre algumas surpresas. Às vezes, acabamos a pensar que raio nos fez mudar se tudo estava bem. Mas que fazer? Está-nos na natureza. Assim acontece ao fim de dois anos e dois dias, no início de um mês que para muitos é de férias. Lisboa, também está, por isso, mudada. É um sítio bom para trabalhar neste mês.