ANESTESIA OCULTA
O humor está a banalizar-se e a tornar-se uma indústria como os livros de autoajuda ou os centros de preparação física. Nunca como agora houve tantos humoristas, tantos livros de aconselhamento e tantos treinadores pessoais. É como se o mundo, de repente, se tivesse tornado tão complexo e doloroso que para ser suportado precisássemos de quem nos faça rir, nos dê estratégias para o aguentarmos ou nos ajude a substituir o corpo por algo supostamente melhor, mais bem parecido. Então se lhe acrescentarmos umas tatuagens fica-se definitivamente irresistível. O que têm em comum estas atividades? Qualquer uma delas visa facilitar a sobrevivência, pelo mecanismo das válvulas de escape, todas descomprimem e ajudam a aguentar o que nos aperta. Como os medicamentos de suporte, aliviam os sintomas sem tratarem a doença. Na verdade, saudável era ter uma vida que nos desse vontade de rir, nos apoaisse e nos fizesse sentir bem dentro do corpo que temos, ou seja, o objetivo enquanto aqui se anda devia ser a vida mais do que a sobrevivência. Mais do que isso, é bem sabido que a febre ou as dor são mecanismos de defesa, que se anulados podem facilitar a progressão da doença. É a identificação da doença e as suas causas que permitem a cura. Desta forma, o humor, os aconselhamentos da alma e a busca da perfeição do corpo acabam por ser essencialmente atividades reacionárias e que nos afastam da vida, porque nos distraem da busca das causas da sua ausência. Não temos de tolerar o que oprime, é fundamental que a tampa salte e, isso como os rios em tempos de cheia, não é violência. «Violentas são as margens que apertam os rios». Não se vive em anestesia permanente. O fentanil pode matar.
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