SEM PRESSA TEM-SE A CERTEZA
Com o passar dos anos, chegou a um estado de arrogância tranquila. Ainda não frágil, a sua forma de sorrir era cada vez mais segura. Quem o visse e o não conhecesse, achá-lo-ia talvez desinteressante. A verdade é que isso, que noutro tempo o teria preocupado, agora lhe não interessava nada. Enchia-o de gozo sentir-se invisível, e ter, finalmente, acedido aquele estado de mosca que dantes lhe ocorria ao espírito em momentos de agudização da curiosidade. Como gostava de ser mosca, lembrava-se de o ter pensado. Agora podia olhar o mundo agitado a partir da sua calma, porque ninguém lhe daria muita importância e isso enchia-o de uma certeza (que não queria impor a ninguém, porque talvez ninguém a merecesse) de que tempos houve em que a solidez da realidade era bem mais segura do que a volatilidade da virtualidade pouco virtuosa. Havia como que uma degenerescência geracional. Lembrava-se dos professores de antes que eram mestres e comparava-os com os aprendizes de agora, inseguros e a tentarem ter piada. Sim, quem não se dá ao respeito, acaba desrespeitado. Era fatal. Não havia também comparação entre os políticos de antes e os atuais que lhe pareciam jovens de uma qualquer RGA daquelas em que tinha participado na faculdade, a gritarem inseguranças e truques para impressionarem quem os ouve. Nunca o penteado, a barba ou a cor da gravata tinham tido qualquer relevância e nem era preciso dizer a mensagem em 30 segundos no tempo em que havia tempo. A fotografia de um olhar sempre lhe parecera mais forte do que a mobilidade do olhar visto no cinema. Mas também já nem sequer tinha tempo para lamentar a falta do tempo ou a correria que aí ia. Olhava com uma terna saudade o tempo que tinha passado na Paulistana, ali perto do Saldanha, em conversas durante a tarde, depois da bica já tomada. Confortava-o e sorria ao lembrar-se da esperança que tinha nesses tempos que, mais do que isso, era uma certeza, de que melhores tempos teriam de chegar. E chegaram naquela quinta-feira que agora se pode reviver nas fotografias do Alfredo Cunha ou do Gageiro. Sim, isso foram registos cautelosamente feitos porque os rolos tinham limite de disparos ao contrário dos clicks de agora, feitos automaticamente, sem necessidades especiais de pensar o que se está a fazer, acabando por se acumular doses gigantescas de lixo que a inércia não apagará das memórias e quase sempre lá morrerão invisíveis porque não precisam ser reveladas e materializadas em papel fotográfico. Empanturrados de todas as farturas, tinha por eles uma ternura condescendente. Eram fruto do tempo de involução da história como sempre tem acontecido em certos períodos. Sabia que não há mal que sempre dure e isso gerava nele a esperança e a certeza de um dia os netos terem, de novo, tempos de progresso. Nem que fossem os netos dos seus netos. Seria só uma questão de tempo. Afinal, já quando gastava as tardes no café essa era a certeza que o tranquilizava. Como nas ondas da praia também na história, há um vaivém, que, na fotografia, gera um arrasto revelador da beleza sossegada que o tempo de abertura permite ver. É só preciso reduzir a velocidade e ver durante mais tempo, descongelar a realidade instantânea
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