Peter Singer continua a ser um bom companheiro de viagem, agora, a caminho do Porto para uma reunião da Ordem dos Médicos. Há momentos em que estas companhias são fundamentais. Estar acompanhado num mundo em que quase tudo parece ser diferente, sabe muito bem.
Não se está tão longe da felicidade quanto muitas vezes se pensa. Temos, para a atingirmos, que definir com precisão os objectivos. É como irmos a um centro comercial, podemos ir com uma lista de compras precisa, daquilo que necessitamos e irmos sem ter pensado previamente o que precisamos. No primeiro caso viremos de lá com as nossas necessidades satisfeitas (se tivermos ido ao sítio certo), na segunda hipótese havemos de trazer uma quantidade de inutilidades de que, na verdade, não necessitamos e não nos darão grande prazer (para além daquele que estiver associado ao consumo imediato). Também já é assim na infância, não é a abundância de brinquedos, geradora de dificuldades de escolha, que torna as crianças mais felizes. È o brinquedo necessário, o favorito, o que gera o prazer. E esse é com frequência aquele a que se atribui, mesmo que o não tenha objectivamente, uma característica única, qualquer coisa nossa que o torna mais valioso que todos os outros. A nossa felicidade tem origem não na coisa, mas no que dela fazemos, no que lhe acrescentemos de significado. O triunfo actual do liberalismo, ao criar a necessidade do consumo, não acrescenta felicidade às pessoas. Olhem-se os sobreviventes ambulantes nos Centros Comerciais aos fins-de-semana. Aquela massa de gente que espreita montras tem um ar feliz?
Às vezes, distraímo-nos e deixamo-nos ir pelos conceitos, transitoriamente dominantes, de identificarmos o ter com o bem-estar e, afinal, este está muito mais no ser. Confunde-me que se sacrifique tanto o ser ao ter, ver tanta gente desaparecer na busca do ter e depois ficar sem tempo para ser. Tanto mais que o ter é um monstro sem limites, insaciável, por isso inatingível. Há sempre mais além do que tem e, não tendo feito a lista do que se quer, resta-nos ficar sempre mais infelizes por ainda nos faltar ter algo a que ainda se não chegou.
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