quinta-feira, setembro 30, 2004

É preciso ter cuidado

Até é razoaável que o autoclismo depois de funcionar regularmente, várias vezes por dia, durante 10 anos, comece a manifestar algumas insuficiências, como deixar de obedecer quando se puxa o manípulo ou então recusar-se a vedar a água nos intervalos das descargas. Não sei qual deve ser o período de vida média destes sistemas, mas parece-me, ainda assim, razoável. Afinal, as casas tem garantia de 5 anos e o autoclismo já funcionou durante 10. Este é daquele tipo que nos apoia as costas enquanto lemos o jornal em pleno esforço, muito mais fácil de abrir do que os outros que moravam dentro das paredes (decididamente só acessíveis a profissionais), uns que vieram substituir aqueles outros que moravam perto do tecto e tinham uma corrente metálica que terminava num manípulo de loiça que a gente puxava para desencadear a descarga. Um destes dias espero que estes voltem a ser moda, já se vai perceber porquê.
Dentro daquela ideia de flexibilidade e polivalência que os nossos gestores globalizantes nos apregoam, decidi ir consertar o velho autoclismo tipo mochila.
Destapado o objecto, logo concluí que o tubo de descarga (para os menos entendidos, um tubo cilíndrico que enrosca no fundo da mochila, sensivelmente ao centro) era o órgão em falência. Como a construção civil é uma ciência muito mais avançada do que a Medicina, imaginei ser fácil o transplante. Foi ir ali ao AKI e adquirir um sistema de descarga pela módica quantia de 8 euros, mais parque de estacionamento e cerca de uma hora; pois já que se lá está tem de ser dar uma volta na Fnac... Absolutamente garantido, sistema universal. Nada mais simples.
Mas atenção, um sistema de descarga colocado in situ durante 10 anos, cria raízes. Os dedos não chegam para desapertar a rosca que o fixa por baixo da mochila. Ainda se tenta, uma e outra vez, até com uma chave daquelas tira-teimas que anda no jeep, mas a coisa carece de instrumento de profissional. Espera-se que o marido da porteira nos traga uma chave como deve ser, que chega à noite. Primeira vitória, a rosca começa a ceder e depois de começar, o resto até vai à mão. O sabor da vitória começa a desenhar-se. A propósito de vitória, neste momento, já o Mourinho mostrava ao Pinto da Costa, que a arrogância só por si não basta, funciona melhor com uns milhões de um russo rico à pressa. Eu que andava cheio de vontade de ver o Mourinho perder, percebi naquela altura e depois de ter ouvido o grande Dragão (os outros já eram história, bláblá...), que o resultado certo da minha satisfação até seria o empate. Dos dois que venha o diabo e escolha. Pois é, não há jogos ganhos antecipadamente. A coisa começa a complicar-se, quando colocada a rosca no orifício central, pouco sobrava para aplicar a rosca fêmea colocada no tubo que vai unir este sistema de descarga à sanita. Afinal, isto de universal era boato e o comprimento é na verdade importante, ao contrário do que às vezes apregoam. De momento, já nada mais havia a fazer que não fosse ir dormir sobre o assunto e esperar que hoje encontrasse uma rosca mais comprida.
Depois de umas voltas por várias lojas, agora do chamado Mercado tradicional, lá encontrei um canalizador de loja aberta que me arranjou uma rosca mais comprida. Doze euros e meio, mas era agora! Satisfeito com a descoberta, corri para casa, direito ao autoclismo, cheio de vontade de terminar a tarefa. Oooops, a rosca é grossa de mais. Se calhar é da natureza das coisas, quando são mais compridas, são mais grossas. Não passa pelo foramen magnum da mochila. A desilusão acontece assim depois de umas largas horas em que tive a triste ideia de ser polivalente e flexível. Não, vivemos numa sociedade de especialistas, a cada um a sua tarefa. Vou chamar o canalizador?
Ainda não sei, há uma loja nas Caldas com bons sistemas de autoclismos. Acho que ainda vou tentar os das Caldas.
Moral da história: isto da flexibilidade e polivalência tem muito que se lhe diga. Se podemos brincar com o assunto neste contexto, a coisa torna-se mais séria quando alguns administradores hospitalares acham que qualquer especialista pode ver todas as doenças, independentemente da sua formação. Chegam a pensar que um gastrenterologista é um técnico perfeitamente capacitado para ver enfartes do miocárdio ou que um cardiologista pode muito bem tratar hemorragias digestivas. Quem não perceber esta alusão que não vá a certas urgências hospitalares... Deixemos as brincadeiras para a bricolage onde os buracos podem ficar destapados ou ainda acabaremos por enfiar alguém nalgum buraco.

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