Avançou sereno para mim abordando-me na rua. O clima está criado, de tal modo que quando alguém, assim, se aproxima de nós, instintivamente reforçamos as defesas. A pele escura denunciava-lhe a origem. «Desculpe lhe incomodar, mas não terá umas moedinhas?» Claro, que incomoda, incomoda-me este tempo onde isto continua a acontecer. Lembrei-me, então, de em criança virem pobres bater à porta de casa. Atestadamente pobres pelos andrajos que envergavam. Nesse tempo a minha avó sempre lhes dava uma sopa ou um pão com marmelada, daquela que ela própria fazia e logo me avisava que nunca se dava dinheiro. Mata-se a fome, não se promevem vícios. Nesse tempo, ainda assim, havia uma assumpção plena do estado de miséria. Hoje, quando o vi dirigir-se para mim, vestido normalmente, até com algum gosto, senti que se envergonhava do estado em que o puseram. Certamente, não teria sido para isto que atravessou o Atlântico. Resignadamente, não queria incomodar.
Parece que foram ocupadas três vagas de imigrantes e isto é mesmo muito incomodativo. Como é possível que continuemos a ter comércio de escravos ou não serão esclavagistas os empresários que optam por imigrantes clandestinos em vez de os preferirem legalizados e com direitos? Incomoda a não correcção deste estado de coisas, incomoda a xenofobia de uns quantos. Não, você, não incomoda e foi bom tomar um café para acordar, enquanto você, Dario, comeu a sua sandes de fiambre. Moedinha, não, já minha avó me dizia. Mas isto incomoda-me!
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