segunda-feira, setembro 27, 2004

Vale a pena ler

Nicolau Santos, Expresso:
Adoecer e fumar faz bem ao défice

Na sua genial campanha para tornar mais justa a sociedade portuguesa, o Governo vai fazer os ricos pagarem sempre que recorram ao Serviço Nacional de Saúde - e, ao mesmo tempo, prepara um aumento extraordinário do preço do tabaco e, provavelmente, também sobre as bebidas alcoólicas, que, como se sabe, são hábitos dos ricos.
Na semana passada, já o ministro das Finanças tinha descoberto que os 30% mais ricos do país investiam em PPR, PPR-E, PPA e Contas Poupança-Habitação - pelo que vai cortar os benefícios fiscais para os ricos que subscrevam estes produtos.
Agora o primeiro-ministro descobriu que os ricos passam a vida nos hospitais públicos, pelo que os vai fazer pagar mais pelas doenças que tiverem. É claro que há ricos a dizer que já pagam mais impostos que os pobres, precisamente para que por essa via se faça a redistribuição da riqueza na sociedade. E outros a afirmar que quem vai pagar mais nos hospitais públicos não são os ricos em geral, mas apenas os ricos que estão doentes - ou seja, quem fica doente é duplamente penalizado, porque ficou doente e, além disso, porque paga mais porque ficou doente. Por outro lado, como se sabe, estes ricos são os que pagam impostos porque trabalham por conta de outrém (são os mesmos que subscrevem os PPR e por aí fora), o que não quer dizer que sejam verdadeiramente os mais ricos do país, mas os que pagam mais impostos, porque a eles não podem fugir.
Pouco importa: este Governo Robin dos Bosques que nos governa quer decididamente acabar com estes 30% de ricos, a quem há quem chame classe média, para dar aos pobres. E assim o ministro das Finanças prepara um grande aumento do tabaco, cujo maço pode chegar aos 5 euros. O ministro já sabe que quem fuma são os ricos. Por isso, há que taxar-lhes fortemente o vício.
E assim se chega ao fim da genial estratégia do Governo: aumenta-se o tabaco, que os ricos fumam. Estes, como são ricos, continuam a fumar, pelo que haverá mais receitas fiscais para o Estado, o que permitirá a redução do défice. Mas, ao fumarem tanto, os ricos hão-de vir a ter problemas pulmonares. Nessa altura, terão de recorrer aos hospitais públicos, onde pagarão mais que todos os outros utentes. E assim o Estado terá imenso dinheiro tirado aos ricos para distribuir pelos pobres. Como é que ninguém se tinha lembrado disto antes? E como é que ninguém se tinha lembrado de lançar o lema «Adoecer e fumar faz bem ao défice»?
É claro que pode haver sempre o problema do contrabando de tabaco subir em flecha ou os ricos desatarem a ir a Espanha comprar os maços (e, já agora, uns charutos, que lá também são mais baratos). É claro que os ricos podem também pensar que o melhor é mesmo recorrer a seguros privados e tratar-se em hospitais privados. E lá se vai a genial estratégia do Governo. A não ser que, afinal, o Governo queira apenas destruir o Serviço Nacional de Saúde. Também é uma hipótese. E assim pode ser que consiga.

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