A evolução dos resultados das eleições foi bem curiosa. No início, traduzindo a votação das pequenas freguesias do interior do país, Cavaco ia bem destacado, quase ao nível das sondagens de há uns tempos. Depois, à medida que os votos do litoral e dos centros maiores foi tomando maior expressão, caiu, caiu quase até ao limiar do que seria a sua desgraça e teria tido imensa graça. Acabou a ganhar pela margem escassa que se viu. Mas isto é como no futebol, não interessa como se ganha e só há dois resultados que importam. Mas a primeira reflexão é esta, os mais abandonados, as gentes do interior ficam ainda deslumbrados com os Professores de Finanças. O outro ainda anda por cá muitos anos depois. A boa coisa, é que as coisas terão obrigatoriamente que mudar, porque não somos eternos, nem continuamos descalços.
Ainda me não tinha dado conta da incapacidade de Soares. Ele está em boa forma física, pensa bem aparentemente, mas, na verdade, faltou-lhe discernimento para recusar a armadilha dos cortesãos. Convenceu-se que bastava ter a corte, que menciona à exaustão, de intelectuais, artistas, pintores e outros doutores para ganhar. Tem um conceito aristocrático da política. Depois de ter há anos metido o socialismo na gaveta, pensava agora que lhe bastaria a corte, para fazer o seu passeio triunfal. Pecado original, esqueceu-se dos plebeus e que vivemos na República, onde os votos dos notáveis são iguais aos dos outros. A sua visão de um mundo pequeno e estreito não lhe permitiu ver mais amplo. Às vezes, escreve-se direito por linhas tortas e cá se fazem, cá se pagam. Merece, ainda assim, umas boas férias (espero que pagas pelo Engenheiro Sócrates).
De positivo, a vitória de Jerónimo no campeonato da esquerda que tem alguma semelhança com o que aconteceu a Cavaco. Louçã manifesta as preocupações elevadas dos filhos da burguesia, com complexos de esquerda, Jerónimo está mais perto do povo, é mais básico, não publica em revistas internacionais como o povo também não, não está assim tão preocupado com alguns lobbies da cidade a quem o povo chama nomes feios. E que é feito dessa imagem de linha dura que lhe davam os sábios da terra há uns tempos mais atrás?
De negativo, o episódio arrastão número 2. Falava Alegre, quando noutro lado, por uma coincidência do caraças, começou Sócrates a falar. Os jornalistas em bando subserviente foram arrastados para ouvir e fazer-nos ouvir o Engenheiro deixando Alegre a falar para os ouvintes daquela sala. Mais um case-study para alunos de jornalismo. Até parecia que o Manuel Alegre continuava a ser o terceiro candidato, como foi toda a campanha na palavra dos sábios comentadores.
E agora, que fazer no dia seguinte? Não me parece errado pensar que o país tinha esquerda que chegasse para derrotar o Professor na segunda volta. O que aconteceu ontem foi que alguma classe média relativamente bem na vida, decidiu punir o Engenheiro pelas recentes medidas que tem tomado. Funcionários públicos, professores, juízes, gente perto da reforma, não tem gostado desta governação e numa atitude fácil, decidiu castigar o Governo. Aliás, isso faz-me pensar que teria sido mais complicado a Alegre conseguir o que se conseguiu se tivesse o PS por trás. Corria o risco de ser ele o alvo da ira desgovernada daquela gente para quem Cavaco, afinal, nem é assim tão grande problema. Assim, apesar da derrota, houve uma oportunidade de criar alguma esperança de que as ideias e vontades de cada um não sejam assim tão desprezíveis e inúteis. Nos últimos meses, verificou-se que quando as ideias e vontades se juntam, algo nasce. Mas percebeu-se também que falta a máquina por trás. Na verdade, a campanha Alegre pode ter sido fundamentalmente uma comunhão de gente contra. Contra Cavaco, contra os aparelhos partidários, contra o facto de se ser velho, sem um programa bem definido, apenas unidos por esse cimento de se ser contra coisas que não gostamos. Se assim tiver sido, foi um erro sem grandes consequências. Mas pode ter sido também, um alinhamento à volta de ideias de solidariedade, de anti-neoliberalismo. Nesse caso, pode vir a ter pernas para caminhar. Compete aos socialistas que estiveram neste combate irem para dentro do Partido, obrigar à mudança de rumo, acreditarem que o caminho é para a esquerda e que o alvo do crescimento não são os descontentes rolha que ora viram para cá, ora se afastam. Isso garantirá alguns empregos de tempos a tempos, mas não a melhoria do país. Consolidar a esquerda à esquerda deveria ser o caminho. Sócrates, com poder garantido por mais 3 anos, devia igualmente apostar nesta via. Se o não fizer terá um destes dias um lugar honorário e bem pago numa qualquer organização internacional. Deixará o caminho aberto à maioria com Presidente de direita e a selva terá, então, um bom clima para se desenvolver na plenitude.
segunda-feira, janeiro 23, 2006
Um dia depois
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