domingo, janeiro 22, 2006
Crime! Haverá castigo?
Muitas vezes me aconteceu sair dos filmes dele com a sensação de, uma vez mais vim ajudar a pagar-lhe a psicanálise. Woody Allen, realmente, deu-me com frequência a impressão de recorrer a esta forma de terapêutica ocupacional para se tratar. Fez-lhe bem ao que parece, já se notavam algumas melhorias no filme anual dos últimos anos, mas com este Match Point quase diria que está curado. É diferente em quase tudo, deixou de centrar o tema nas suas angústias (ou terá angústias novas), saiu de cena, mudou de cenário. Constroi uma história simples à volta de relações interpessoais, mas esse não parece ser o tema deste filme. Talvez pela primeira vez terá feito um filme com pessoas que não necessitam ser inventadas, estas pessoas existem e o filme é hiperrealista. Tendo por fundo essas relações fala-nos do papel da sorte nas vidas, dos valores e da culpa ou da falta dela. Interroga-se se existem sentimentos de culpa se o crime não tiver castigo num jogo de amoralidade em que o crime talvez possa ser perfeito. E se o for haverá sentimento de culpa ou haverá antes, alguma sensação de triunfo por se ter conseguido enganar os outros? Aquele ar confiante de, se não fosse para ganhar não estaria aqui! Retrato hiperrealista de uma sociedade amoral, onde o triunfo está ligado à especulação bolsista. Uma sociedade onde o crime, existindo, so o é, verdadeiramente, se for descoberto. Caso contrário é mérito, sinónimo de progresso e bem estar dos criminosos. Para cúmulo, há também neste filme uma aristrocracia que beneficia, sem sujar as mãos, deste estado de coisas enquanto vai caçando, frequenta a ópera ou afoga os seus vazios no álcool. A parte suja é feita por fantoches, yuppies devoradores das migalhas que sobram. Às vezes o controlo perde-se neste estilo de vida angustiado e infeliz. E cabe a nós decidir, se no final, a imagem à janela traduz algum sentimento de culpa ou, antes, a dúvida se o crime ainda virá a ter castigo. E cada um de nós terá, talvez, respostas diferentes.
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