sábado, fevereiro 05, 2005

No barbeiro (sempre igual há mais de 20 anos)

São preciosos aqueles momentos em que se fica ali tapado por um pano verde, sem óculos, imóvel, não vá a tesoura pregar-nos uma partida. Ouve-se o ruído metálico no assassinato dos cabelos cada vez mais enfarinhados que se vão emaranhando até à queda final no chão. E ouvem-se também as conversas animadas, bem humoradas, cheias de alfinetadas sobre jejuns de campeonatos. A cadeira com mais anos do que o Benfica está sem ganhar. Claro, só ultrapassada por aqueles famosos 18 anos. Nem sei por quê desta vez não havia ninguém de azul, a moda novoclubista, como todas transitórias. Entre trapatonadas e peseiradas a conversa avança sempre picante, provocadora.
Tudo bem, falar de religião ainda percebo que não seja de bom tom. Para alguns pode mesmo nada significar e por isso há alguma ausência de motivo. Mas da política, por que será que se não fala de política no barbeiro? No fundo, todos seremos por estes ou por aqueles, só que parecemos todos desapaixonados. Há alguma identificação de política com ciência. Ainda se ouve dizer, eu disso não percebo nada. (E de futebol, alguém entende?) Poderá ser que na política se seja mais volúvel e, o receio, de defendermos hoje o que amanhã iremos atacar, nos faça ficar calados na angústia da acusação da incoerência. Ou então, o convencimento de que todos os políticos terão apenas uma função, tramar-nos a vida, seja a razão deste pacto de silêncio. Só que sendo a política tão importante nas nossas vidas, este silêncio, este pacto de se ser politicamente correcto, sendo-se ausente, me causa alguma estranheza. Passamos ao lado e depois usamos a cobardia do anonimato para nos prenunciarmos. O voto é secreto. Qual a vantagem, agora que os bufos já acabaram há mais de 30 anos?

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