domingo, dezembro 19, 2004

Um país de fé

Continuam a fazer contas, como os alunos, que em vez de estudarem as matérias, vão imaginando as médias que poderão ter se... Se e mais se e depois as contas saem furadas e a média não chega e em vez dela chega antes a depressão.
O país agora rege-se pelo cálculo, não o matemático, mas o do golpe que melhor enganará a seu favor os idiotas que os mantêm. Primeiro, foi o casamento feito e desfeito vezes sem conta. Lá decidiram a separação, por nada de substancial, mas apenas porque parece ser mais eficaz em termos contabilísticos. Que diferenças programáticas apresentarão para que um tipo de direita vote no CDS ou no PSD? É um dilema, bolas! Afinal eles têm um programa comum, para quando forem maioria e antes também têm dois programas comuns? Votar à direita vai ser uma questão de fé.
Depois é a chamada esquerda com o pobre do líder da esquerda moderna a pedir sempre a maioria absoluta. Ainda não pensou bem no programa, a sua única preocupação é ter a tal maioria que depois lhe permitiria fazer o que lhe apetecer. O homem quer os votos também na base da fé. Se acreditam em mim, votem em mim, é a sua mensagem Só que nós gostamos de votar em algo mais real e concreto e sem necessidade de fé.
O pobre do Bloco ora se liga ora se desliga. Não sabem muito bem o que será mais conveniente. Não, não se trata de conveniência política de execução de um determinado programa, mas somente de conveniência estratégia. Que efeito terá dizer-se que se vai apoiar o PS? Como irá comportar-se a fé, perante tal dito?
Finalmente, o PC pede a não-maioria absoluta. Também sem especificar nenhum programa. Também apelando a uma questão de fé (até estes, santo Deus!). Apenas para depois poderem ter algum poder de intervenção, alguma negociação mais ou menos limiana.
Acho que todo este apelo a fé, que vai de uma ponta à outra, só existe porque deixaram de ter fé na inteligência deste povo, porque desprezam o seu saber. Espero que estejam enganados, ou seja, ainda tenho fé. Eu, o último dos crentes.
Mas era bem melhor, mais mobilizador que a discussão fosse outra, mais real, terrena. Que analisassem, por exemplo, até que ponto isso da inevitabilidade das privatizações da saúde, do ensino, da segurança social é assim tão inevitável. Que dissessem o que pensam exactamente sobre este tema para se perceber quais as diferenças entre o PS e o PSD, por exemplo. Afinal, parece que nem tudo é assim tão linear e tão definitivo. Parece que a história ainda continua. Numa das pontas da Europa,como na Gália, resiste-se ao modelo e com êxito, perante as loucuras imperiais. Sem alargamento do número de excluídos na saúde, por exemplo. Parece ainda haver lugar para o Estado, um Estado melhorado, mas com solução para o problema que afinal o Privado não resolve. Afinal a Finlândia, terra de impostos elevados, parece ser competitiva e não fica propriamente em Marte, está dentro do Mercado global... Afinal, como diz Boaventura Sousa Santos, A economia de mercado só é socialmente útil se a sociedade não for de mercado. Para isso, é necessário que os "bens sociais" como a saúde, a educação e o sistema de pensões sejam produzidos por serviços públicos, não sujeitos à lógica do mercado. Uma coisa é reformar para viabilizar o sistema nacional de saúde, de educação e de pensões (Finlândia), outra coisa é privatizá-los sob o pretexto de que são irreformáveis ou inviáveis (Portugal).
Será que vai haver tempo para se discutirem temas simples como este ou não mereceremos mais dos políticos que temos do que cálculos de como nos poderão melhor enganar?

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