As doenças
É curioso como cada vez é mais fácil ter-se uma doença. Dantes era necessário esperar pelas queixas, agora descobriram os inimigos silenciosos. O colesterol, a osteoporose, o hipotiroidismo, a diabetes. Como se fossem coisa desejável, procurável, de repente desatamos todos a fazer exames para ascendermos ao nível de doentes. Para nos facilitarem a vida, cada vez mais os níveis a partir dos quais o somos, têm vindo a diminuir. Dantes só com 240 mg/dL de colesterol, agora chegam 190 mg/dL; dantes glicemias de 200 mg/dL, agora quaisquer 126 mg/dL são suficientes para sermos diabéticos; dantes níveis baixos de hormona toroideia em circulação, agora até os níveis normais de TSH deixaram de o ser e já só valores da metade inferior do normal o são verdadeiramente. Tudo para nos facilitar ascender ao grupo dos doentes. E começarmos logo um tratamento com medicamentos, geralmente, produzidos nos Estados Unidos, os líderes da investigação e os mais aptos a tratarem-nos da saúde. E aí vamos nós a caminho da vida eterna, mas doentes mais cedo do que dantes.
É curioso também que estas doenças são geralmente chamadas doenças da civilização! Da civilização do consumismo, da indulgência, do faz o que te apetecer que logo te tratarás com um medicamento que a dita civilização vai descobrir ou precisa rapidamente de vender. Ainda não há muitos anos, na Faculdade de Medicina, ensinavam que o melhor tratamento era a prevenção, a profilaxia. Cada vez mais ouvimos agora nos congressos uma conferência de 20 minutos onde eventualmente os primeiros 2 são dedicados a cuidados profilácticos e os restantes são uma sucessão de resultados de tratamento com os diferentes fármacos, assumindo-se a derrota da prevenção e impondo a ideia do tratamento a jusante como a única via disponível. Indulgentes, assumimos a fatalidade da derrota, a fuga impossível ao sistema. Ninguém fala de tratamento da causa da obesidade, todos procuram uma droga para a tratar. Na verdade, cada vez mais me parece que esta civilização é muito patogénica. Não estaremos, então, na altura de mudarmos? Ou continuamos a ser incendiários para manter os bombeiros ocupados? Entretanto, a paisagem vai ficando queimada, cada vez mais negra, ainda que as vendas dos medicamentos cresçam e as acções das farmacêuticas aguentem os índices das bolsas ou seja a economia não entre em recessão.
29-08-03
Só duas linhas de esperança. But the point is... it’s not inevitable. The future can be changed. But we can’t change things unless we at least begin to understand them. Chomsky, claro!
30-8-03
Aperitivo
As Caldas têm sempre a sedução de tias à conversa na pastelaria Machado, na esplanada da rua das Montras ou só mesmo a espreitá-las. Ou a desviarem o olhar pudicamente das de artesanato ou mesmo olhando, que uma senhora honesta não tem olhos. Há em tudo isto uma distância segura do anunciado em título no Expresso: metade das notas de euro em circulação têm vestígios de cocaína. Está explicada a valorização face ao dólar americano! E também aquele conceito que me incutiram desde pequenino, que o dinheiro é uma coisa suja. E por maioria de razão a tão falada necessidade da sua lavagem.
Almoço
Por cima da fábrica e do museu da cerâmica, meio escondido, o restaurante São Rafael. Tinha-me sido referenciado pessoalmente e pelo Lonely Planet. Depois de entrar tive a sensação de risco que se tem sempre que se entra à hora de almoço num restaurante e estão todas as mesas vazias. Aquela sensação de seja o que deus mande. O nó no estômago aumenta quando se vê o guardanapo de pano roto e a lista cheia de prato originais como o Chateaux Briand, o rostt beef e outras originalidades. No entanto, as coisas melhoram com os aperitivos e a casquinha de sapateira e compõem-se quase definitivamente com as ingenuidades do empregado e o tal do bife, que cumpre em tamanho e qualidade também de acompanhamentos. Mas fico a perguntar-me o porquê do desmazelo da ementa. Porquê esta terra de gambas à la Ilho ou à la guilho? Não é só falta de cultura, há também uma enorme dose de desmazelo e falta de rigor, do tal acho que, como se estivessemos a fazer tudo de novo.
Sobremesa
Uma reunião de proprietários, possivelmente, típica. Adquirimos casas compradas como se nos estivessem a vender propriedade num empreendimento turístico. Agora percebemos que se trata de mera urbanização. E somos europeus, americanos, asiáticos, australianos todos caídos no mesmo. E temos, em Portugal, uma reunião em inglês. (Gostava tanto que ensinassem aos miúdos na primária esta língua, a todos sem excepção). Mais não fosse para vermos como se reage diferentemente quando nos enganam em Inglaterra ou nos Estados Unidos ou em Portugal. Diálogo, processo judicial imediato, será que se pode fazer alguma coisa?
Fica o aviso O Praia d’el Rey Golf and Country Club não é um empreendimento turístico, embora seja um sítio óptimo para se estar e vai ter uma Associação de proprietários que tentará impedir que a ganância o converta naquilo que não é desejável. Uma experiência de organização de base (pouco popular, diga-se) com a esperança de melhorar algo.
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