domingo, maio 21, 2006

Ficar na margem (com a Berlenga em fundo)



Pode a vida ser este confronto com o meio que nos envolve. Para sobrevivermos fomos criando a ciência, escondemos conhecimentos para os vendermos melhor pelas incertezas de novas descobertas, descobrimos as falhas de ética nos relacionamentos com os outros, inventámos o remorso, elaborámos conceitos e chegámos ao Direito, à medida que as diferenças foram nascendo. Para nos apaziguarmos, esquecidos já das origens comuns, precisámos de Deus para nos acudir nas insuficiências dos nossos saberes ou para acautelar os privilégios dos dominantes e moderar os desejos legítimos dos dominados. Regulámos quase tudo para podermos viver juntos e, subitamente, começaram a difundir-se cânticos de sereia que nos isolam dos outros face ao mundo, com promessas de bem-estar definitivo. Fácil, sem luta, tudo conseguido com golpes de mágica. Vendem-nos ídolos e imagens de sucesso, celebridades. Atordoam-nos os sentidos com o sucesso das nossas equipas, que nos representam e que à falta dos nossos êxitos, nos garantem sucessos colectivos que temos ilusão de partilhar. Nos intervalos assustam-nos com perigos de todas as espécies, com roubos e fraudes, violações e espancamentos, quase nos dando a ideia de não podermos mais sair à rua, de ser necessário a todo o instante desconfiar daqueles com que nos cruzamos. Aceleram-nos até ao limite da vertigem, para que sintamos a náusea da paragem. E como marionetas temos ido neste rumo sem destino.
Na margem desta corrente, ficam alguns, cada vez mais sós, olhando, às vezes gritando inutilmente no meio do ruído ambiente. Só por necessidade e em homenagem a uma história que só em conjunto se pode realizar. A tal que não faz sentido seguir sozinho, apenas porque a vida não é para isso. A sobrevivência faz-se colectivamente, o resto é torpor. A história tem sentido, o torpor, por mais adrenalina que contenha, para que serve?

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