Veio com um ar atarracado, detrás de uma secretária esmagadora, fazer um discurso à Nação. Notava-se no cenário a preocupação de fazer esquecer a imagem do varão divertido amante da noite e da festa. Tinha um ar quase triste, meio vitimizado e choroso como o tio Marcelo lhe ensinou que rende. Recusou o teleponto para marcar a diferença e lá se conseguiu orientar com os papéis com um ou outro sobressalto.
Aquele estilo causou-me incomodidade, lembrou-me Marcelo Caetano a falar mansamente à Nação, mostrando a correcção da sua governação, da manutenção da guerra e dos inimigos da Pátria que ruidosamente o contrariavam e à sábia política do seu governo.
Mas que veio o PM dizer-nos em todas as televisões? Finalmente, o milagre que já todos andavamos à espera. Afinal, a Manuela Ferreira Leite era economicamente incapaz e é perfeitamente possível aumentar a despesa (mais pensões, maiores salários) e reduzir a receita (menos IRS) e ao mesmo tempo manter o objectivo do famigerado défice. É o milagre de Santana alguns dias depois do serôdio Bagão Félix ter dito praticamente o contrário. Já vamos estando habituados a estes ziguezagues governativos, tão habituados quanto cansados. Como diria o Ministro das Finanças recorrendo à imagem da economia do lar, isto é como se aumentássemos os gastos da casa, o patrão nos reduzisse o ordenado e, ainda assim, a nossa dívida ao Banco continuasse estabilizada. Na verdade, este discurso de boas notícias anunciador do milagre, terá outro discurso no verso da página e, esse, outros o dirão. No fundo a questão não é pagar menos impostos, a questão é saber se vamos ter mais ou menos despesas obrigatórias. O meu sonho de vida seria darem-me uma casa para viver com a família, pagarem-me almoços e jantares, porem-me um carro à porta para me transportar a mim e aos meus, não ter de me preocupar com a conta do hospital se um dia adoecer e assim por diante. Um estilo de vida de Primeiro Ministro, estão a ver? Depois até me poderiam pagar pouco que não me peocupava. O milagreiro fala da redução dos impostos, mas que disse ele dos pagamentos da saúde, do fim dos benefícios fiscais, da continuação da destruição dos serviços públicos que nos empurram para os privados? Alguma coisa já disse, sim senhor, que as rendas aumentarão, que as portagens terão de ser pagas e mais não anunciou, mas alguém virá, por ele, comunicar.
E depois preocupante mesmo foi ver a actuação dos meios de informação. Cordatos, mostraram o milagreiro fazer a propaganda do seu milagre. Politicamente correctos foram escutar as reacções da atordoada oposição e dos felizes parceiros de coligação. Também as centrais sindicais, claro. Mas para mim, verdadeiramente espantoso, foi não terem ouvido as confederações patronais. Será que os seus líderes andarão todos extraviados, localizados em paraísos fiscais ou será que teriam óbvias dificuldades em apoiar este discurso de milagreiro e, por isso, não dá jeitio nesta altura saber as suas opiniões? Terá havido pressões para que os nossos jornalistas assim se tenham comportado? Eu estou impressionado!
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