quinta-feira, julho 08, 2004
Intervalo - Nova York 2004
10 de Junho
No dia que já foi da raça e que agora é feriado muito simplesmente, nem se dá lá muito bem por que motivo, vou até New Jersey, onde os emigrantes devem, seguramente, saber porque farão uma Parade neste dia.
Emigrante parece ser a senhora que faz check-in à minha frente. Trazia duas garrafas de água- ardente para levar para os seus parentes da América. A funcionária, explica que por razões de segurança as não poderá levar junto da bagagem de mão. Trata-se de uma substância inflamável, terá de as deixar mesmo ali. Ai isso, é que não deixo, se não as posso levar, vão para a sanita, vocês é que a não bebem.
Acho que isto revela, antes do mais, um conflito mal resolvido com o poder dos tempos em que o dia era da raça, uma desconfiança e um desejo de desobediência dentro do possível. Se não o posso fazer, vocês também não vão aproveitar, ou melhor, o que vocês querem é mamar à nossa custa... Melhor seria que fosse uma indignação contra uma norma absurda, por mal pensada, ilógica, simplesmente um conflito entre um povo que improvisa e é generoso e um que obedece cegamente a tudo o que lhes vem prescrito de cima. Nesta companhia americana o absurdo vai ao ponto de se não poderem transportar garrafas de aguardente caseira, podendo transportar-se qualquer bebida alcoólica comprada na free-shop, ou de ser proibido o transporte de um corta-unhas, nada havendo a opôr ao uso de facas e garfos de aço que nos entregam com as refeições ou aos corta-unhas que se vendem depois de passadas as verificações. È mesmo assim, estes americanos não pensam, não há volta a dar-lhes.
Do aeroporto a Manhatan, pode ir no nosso autocarro por 13 dólares, mas se quiser vá de táxi, são 50 dólares mais as portagens e as gorjetas. È assim, com esta transparência que se nos é posto o problema. It’s up with you! Liberdade de escolha, informada com dólares em fundo.
O Radio City Apartments na 49th St é um hotelzinho simpatico, limpinho e asseado onde se conseguem diárias na zona mais central da cidade por cerca de 120 dólares, isto é pelo menos metade do preço da concorrência com camas mais largas e corredores amplos já para não falar do hall de entrada de tons dourados. Aqui não haverá espaços desperdiçados. Mas quando quiser voltar a NY, com a ideia de não passar muito tempo no hotel, de o usar apenas para dormir, esta será uma opção simpática. São simpáticos os funcionários da recepção, os acessórios como ferro de engomar, secador de cabelo, por exemplo; simpático também a água ser quente e não haver ruídos incomodativos excluindo-se o do ar condicionado.
Numa primeira deambulação pela rua, sente-se o formigueiro incessante sem destino. À volta ouve-se falar muito em espanhol, pareceu-me que os hispânicos cresceram também por aqui. Onde estão os executivos de copo de leite na mão? Provavelmente, já terão recolhido ou será que emigraram? Serão as contradições que o Império está a tecer?
11 de Junho
O MOMA está transitoriamente em Queens. Para lá se chegar são uns minutos de Metro. Convém é a apanhar na estação certa, casos contrário a aventura pode demorar mais de uma hora com a oportunidade de vermos demoradamente o bairro a partir da linha do metro. São casas baixas, pinchadas geralmente, com ar de Cuba, mas sem sonho. Antes com uma realidade de miséria bem pesada.
O MOMA é uma amostra do que é. Terá de se esperar até para o ano para se rever na localização habitual, então já expandido e seguramente melhorado. Por hoje valeu uma exposição de fotografias de moda. Será ou não arte? Dou comigo a pensar que Arte será produto de criatividade, o resultado de uma atitude de imaginação, geralmente, não repetível, isto é, única, independentemente da técnica utilizada. Assim, se o fotógrafo concebe uma composição e se não limita a encontrar o motivo de forma esporádica e depois capta o resultado, a sua obra não andará muito longe da obra de arte. Por entre estas meditações regresso a Manhatan frente a um casal de homeless a caminho da colheita do dia.
A propósito da orientação no Metro da grande cidade direi que o caminho se encontra mais facilmente nos mapas e nas pessoas que no esquema de apoio do Metro da Palm. Nem sempre as tecnologias nos poupam tempo e quase sempre só dão respostas quando sabemos as perguntas certas.
O Ground zero começa a ter vários níveis e já dispões de uma estação de Metro. Começa a renascer, só de longe continua em toda a sua extensão de grande buraco. Apreciável a partir do Ferry que vai para State Island. Uma viagem recomendável ao pôr do sol para topar a skyline amputada da cidade.
Noite na Village, no Blue Note a ouvir Arturo Sandoval e o seu trompete em jazz caribenho. Depois, vaguear por ali, com sons e imagens de néon e candeeiros pequenos ou velas sobre as mesas de namorados dos mais variados sexos.
12 de Junho
A decepção da FAO Schwarz fechada para remodelação. Gosto tanto de olhar para aqueles bonecos enormes sempre a mexer. Há certas coisas que deviam estar sempre abertas na cidade.
Dia de Parade Indú em formação em Central Park. Não são muitos, mas exuberantes quanto baste e ficam bem na tranquilidade daquele parque, onde o silêncio surge e os esquilos saltitam, levando-nos, subitamente, para fora da cidade.
O MET Museum é um daqueles espaços de peregrinação obrigatória na cidade. Vale a pena olhar para o exposto e para as gentes que lá andam. Para uma T-shirt, por exemplo: Champions dont talk, they perform. Mais mensagem que muitas vitrinas, infindáveis.
Deixar-me ir ao sabor do que acontece no Museu, garantindo sempre a passagem pela exposição de Impressionistas. Essa tenho de vê-la de cada vez que volte. Hoje, pode fazer-se uma visita guiada pelas obras principais (assim chamada). Cerca de uma hora para saber que Picasso dizia que todo o quadro é uma mentira, embora nada melhor que eles para vermos a verdade. Nada está representado, só lá está, exactamente, o que cada um de nós consegue ver. Este é o gozo de olhar para obras de arte, procurar.
Por exemplo, a possibilidade de encontrar toda a carga de erotismo insuspeito num quadro de Vermeer, às vezes com recurso a análise por raios X.
Ao fim de umas horas de deambulação para alegria dos olhos, ainda apetecia ir até ao Lincoln Center em época de defeso parcial. Ainda foi possível arranjar uns bilhetes para o Lago dos Cisnes na segunda-feira e continuar a olhar a feira da ladra alia o lado.
Noite para experimentar o Village Vanguard na Seventh South. Tínhamos ouvido a banda no Estoril no ano passado. Só isso nos faria descobrir esta pequena porta vermelha ao cimo das escadas de acesso à cave. Um copo e um trio com piano, baixo e bateria para saborear no início da noite de sábado, sentido, de quando em vez, a vibração do Metro a passar-nos por baixo.
13 de Junho
Lá longe é dia de eleições e Santo António nos valha. Lá se foi a minha possibilidade de candidatura a Presidente.
Aqui também é domingo, um dia bom para ir à missa. A uma missa especial, com música, no Harlem. Começamos por apanhar o autocarro na 8th Av ao nível da 50thSt. Parece um autocarro normal. Mas à medida que sobe, ao longo do Central Park, começa a notar-se que o seu recheio vai mudando de cor. Cada vez menos branco, cada vez mais afro-americano. Nunca tinha andado num autocarro assim. Lá perto da 130th estávamos claramente a mais naquele transporte e saímos. Na rua, os residentes passeiam os seus fatos e chapéus de domingo, como em cenários de outros tempos. Bem mais agradável do que há uns anos quando aqui assistimos a cenas de pistola e perseguições.
Sem receios especiais fomos até à Abissinian Baptista Church, onde uma fila para a missa das 11 dava a volta ao quarteirão. Uma mancha de brancos em terra de negros. A missa como atracção turística. Os fiéis eram mais do que a igreja comportava, mas um funcionário da paróquia tranquilizou-nos. Ao virar da esquina, havia outra Igreja também com cânticos, tudo seria idêntico ao que ali íamos ver. Vale a pena assistir a isto na Igreja Metodista do Pe Durand. Prédicas em gritos, saudações aos estrangeiros que visitam a Igreja, cânticos Gospel e peditórios ao fim de cada canção, saudações a tudo e a todos. Catarse colectiva e sai-se bem disposto para o Harlem que continua na busca do Teatro Apolo, que estava fechado. Vaguear pelas ruas em domingo de manhã de compras na Martin Luther King até chegar ao restaurante Sylvia’s para provar batata doce caramelizada, um bife gigante e feijão frade com couves. Sem bebidas alcoólicas e com mais cânticos passados de mesa em mesa, Às vezes com a colaboração dos frequentadores do restaurante. Não me importo de cá voltar mais tarde. Por agora voltámos à cidade no mesmo autocarro, agora em processo de branqueamento. Na 5th Av fechada ao trânsito, avistamos a festa da Parade de Puerto Rico.
À tarde era dia de Quarteto de cordas em Town Hall. E foi., Só que para turista ignorante não chegou a ser porque fomos para o City Hall, algo bem diferente do Town Hall. E assim, confundidos os vestíbulos, acabámos à porta sem ter música.
Foi um dia cheio de surpresas, com autocarros que mudam de cor e com a constatação de que em NY city e hall são coisas diferentes. O cansaço nas pernas, obrigou a retirar mais cedo, sem música esta noite.
14 de Junho
Último dia na cidade, o dia de compras. Ou nem tanto.
South Street Sea Port, as docas deles, com a ponte de Brooklin ali em fundo. Pena o dia acinzentado, que é bom estar de perna estendida nas espreguiçadeiras o piso superior do Peer a olhar para o ar, tomando balanço e procurando apetite para um Philly cheeseburger, a energia necessária para as compras a seguir.
Há uma semana que andam a enterrar o Reagan, com as imagens em loop da excelsa esposa e dos filhos. Um deles estragou a festa e disse para quem o quis ouvir que votaria em qualquer candidato que possa derrotar o Bush. Esta tudo tão composto, tão comovente e logo havia de aparecer este tipo.
Vale que o pai Bush, saltou de para-quedas na sua proveta idade. Fiquei com pena que não tivesse levado o filhote no passeio, que, às vezes, dar uma boa cabeçada pode ajudar a endireitar as ideias.
Fazer as malas para ida até NO.
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