domingo, julho 11, 2004

Freud ou Maquiavel no Portugal minor(itário)

Terá sido por ser sexta-feira, dia dos azares? Esta questão coloca-se dada a onda supersticiosa que recentemente nos invadiu sem nos valer. Mas pode, somente, ser o nosso azar costumeiro, a nossa cor cinzenta na altura do enrolar das bandeiras. O fado triste voltou nesta vaga de lágrimas mais ou menos contidas nas barragens dos olhos. Nesta semana desde o Presidente ao Paulo Bento todos choram de emoção. Outros certamente, choraram com motivos bem diferentes, mais válidos, talvez. De raiva.
Apesar de tudo, a decisão do senhor Presidente não deixa de ser surpreendente, mesmo num país com história de tendência para a asneira e para a perda de oportunidades. Não duvido que Jorge Sampaio seja intrinsecamente um dos políticos portugueses potencialmente mais honestos, como está expresso na sua carreira, apesar de aqui e além haver algumas hesitações de opções, se calhar próprias da sua origem de classe. Mas, no conjunto, poderá ver-se uma carreira bem gerida sem cedências a facilidades. Foi isso, o seu passado histórico e uma imagem de alguma firmeza nas convicções que o levou onde está pela segunda vez. Ainda recentemente, o seu distanciamento face à Guerra do Iraque sugeriu que tínhamos homem.
Nesta crise, contudo, embrulhou-se, ficou atado das ideias, esqueceu o fundamental do seu programa, ignorou os seus apoios, andou a ouvir tantos notáveis que ficou surdo, incapaz de se ouvir a si próprio. Baralhado com tanta opinião, decidiu não querer saber o que nós pensávamos e aderiu ao programa do Governo, exigindo que se cumpra nos próximos dois anos. Ainda assim me questiono, por que terá decido desta maneira? Penso que pode ser por dois motivos.
Primeiro, Jorge Sampaio é uma personalidade complexa (um bom case-study para Freud), muito preocupado com a missão e a coerência dos seus actos, a olhar fixamente para o seu lugar na História. Estas pessoas geralmente, esquecem a vida, o momento de hoje. E hoje é quando as decisões têm de acontecer e isso causa-lhes uma angústia imensa. Em vez de rir, dói-lhes o estômago. Depois, têm uma necessidade quase anormal de imparcialidade e aqui factores subjectivos podem traí-los. Certamente, estaria de cabeça mais livre se a decisão que lhe apeteceria tomar não fosse a que queriam os seus amigos. Nestas circunstâncias, o receio de estar a ser parcial, a ser levado pelas suas convicções numa decisão que favorecia a sua equipa, levou-o a optar por penalizar os seus. Assim, alivia a consciência de ter sido parcial. Pelo menos tem essa garantia, já não perde tudo.
Segundo, a afirmação de que o Governo terá de manter o mesmo programa poderá ter dois sentidos. Ou decidiu aderir ao programa do Governo, o que ainda assim me parece pouco provável, pois não se percebe como pode este homem apoiar o neo-liberalismo selvagem desta gente, ou então, maquiavelicamente, perante a constatação de que dois anos já bastaram para fazer nascer no país uma forte oposição, decidiu condenar os seus adversários ideológicos de ontem, a prosseguirem sem desvios, o caminho que gera mais estragos, fazendo proliferar o descontentamento durante mais dois anos. Se recentemente, os resultados estiveram à vista imagine-se o que será daqui a dois anos! É a lógica do post que aqui deixei há uns dias atrás. É uma estratégia dura, difícil, mas que foi também a primeira que me veio à cabeça num primeiro momento, antes de ter ouvido os banqueiros. Depois disso e apesar do gozo pessoal que pudesse causar, acho que não mereceríamos mais esta provação.
E aqui chegados, ficámos, de repente, com um país minor, governado por uma minoria não eleita, que é nomeada por um Presidente com apoio minoritário. Sim, aqui lhe digo que hoje perdeu o meu voto (teria decidido da mesma forma se estivesse no primeiro mandato?) e estou convencido de que não perdeu só o meu. Provavelmente, limitou-se a ganhar um lugar minor na História que tanto preza e onde poderia ter ficado como um exemplo de líder que gostava de ouvir o sentir do Povo. Não teve faro político, mostrou preferir o sofrimento à alegria (não é por acaso que se é do Sporting!). Hoje, nas cidades deste país não houve festa, o povo não saiu à rua ao lado do seu presidente, as bandeiras ficaram tristes, teimosas, penduradas nas janelas. A festa nas cidades não existiu. Em vez disso, já se pressente um pequeno festim privado na Kapital. Esperemos pela reportagem nas Luxes das semanas que virão.

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