segunda-feira, outubro 13, 2008

Partida


Tiveste sempre uma forma voluntarista de estar, cheiraste tudo sem cessar e raramente alguma vez te escapou do faro uma chegada de qualquer um de nós. Ainda há dois dias, soubeste que a Ana tinha voltado de fora. Nada te escapou. Nunca fugiste, foste sempre procurar alguma coisa. E obrigaste-nos a procurar-te muitas vezes. Mandaste em todos nós e mesmo nos acessos de «ternura» em que deixaste as tuas marcas nalgum calcanhar próximo do teu jantar, sempre se encontrou algo que te justificava. Lá no fundo, eras um tipo fixe, que gostava de ver o rebanho caseiro recolhido antes de te deitares. Sim, muitas vezes, dormias com um olho aberto, se faltava algum. Com dificuldade aprendeste a não fazer barulho depois das horas convenientes, quando chegávamos. Mas a idade torna-nos mais sensatos e tu também isso aprendeste.
Ontem, quando cheguei, tinhas um ar de quem quase pedia desculpa de se ir embora. Ainda abriste o olho, mas ficaste a olhar no vazio. Nem a água, nem o frango te abriram a boca. OK, já chegava,tropeçaste e ficaste de barriga no fresco do chão. Estavas a despedir-te. Voltaste a não fugir, simplesmente, partiste na madrugada sem ir à procura de nada, desta vez. Estas coisas são sempre uma partida.

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