sábado, outubro 04, 2008

O valor das coisas

Convergimos, numa manhã de sol, partidos de vários sítios do país, na velha fábrica para determinar o valor da coisa.
De há uns tempos para cá, é sempre um mistério para mim a determinação do valor das coisas. Dizem que é o encontro da oferta e da procura, mas como se do lado da oferta se espera que a procura dê o máximo e do lado da procura se pretende comprar ao mínimo? E como tornar suficientemente abrangente a procura?
Desisto de responder, porque entro em círculos sem resposta.
Entrei na velha fábrica, desactivada, morta de produção, mas incrivelmente de pé, digna. Era para ali que ia às vezes nas férias. Nos corredores andei de carrinhos de mão em corridas com outros miúdos. Ali moldei o barro dando à perna na roda. Vi o barro comprimir-se nos moldes, parindo tijolos de 2, 3 e 4 buracos e outros mais inteiriços e impressionava-me com o arame que com todo o rigor os cortava a espaços iguais. Ouvi falar dos braços decepados de operários caídos em tempos de pouca segurança no trabalho. De mortos até. Ainda me lembro do cheiro morno dos fornos. Nessa altura, andaria a ler Aquilino, Alves Redol e outros que me falavam do Trabalho e de quem o explora e tomava conhecimento ao vivo de quem fazia as telhas e os tijolos. Eram, claro, os que lá deixavam os braços, que não há memória de nenhum proprietário, de nenhum banco financiador, alguma vez lá ter deixado o que quer que fosse. No meu radicalismo de então, era óbvio, que apenas lá iam buscar os Mercedes e os Saab. Lembro-me também, de que era um tempo de patrões que faziam refeitórios para os funcionários, os conheciam, bebiam uns copos no fim do dia de trabalho, todos às vezes. Não tinham saído de escolas de Gestão nem procuravam exclusivamente criar valor para o accionista. Era, apesar de tudo, um capitalismo com rosto.
Por ali a vaguear, espreitando recibos pelo chão e amontoados de abóboras, onde antes moraram tijolos a secar, não consegui perceber qual o valor daquela coisa, tarefa que ali nos tinha feito ir. Mas descobri, que para mim, o verdadeiro valor daquela coisa são as memórias que me desperta. Outros fizeram o preço. Eu assino por baixo, seguro que vou ganhar (já ganhei) mais que a parte que me couber.

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