domingo, janeiro 21, 2007

O som do silêncio


Há objectos de que sentimos falta de tempos a tempos. Hoje, por exemplo, tive saudades do meu velho despertador. Tinha uma rodinha em cima, que à hora certa, era martelada e me acordava sem piedade. Era a ilustração exacta da palavra. E há palavras que têm tudo dentro delas, que basta o nome que têm para as entendermos todas. DESPERTADOR, vê-se logo o que quer dizer: despertar como acordar, e dor, o dia de trabalho à porta. Nem mais, acordar para o trabalho. Assim é, infelizmente, na maioria dos casos. O trabalho como ideia de sofrimento. A alienação a isso nos tem levado e, demasiadas vezes, apenas se procura a sobrevivência naquilo que tem que se fazer. Separados do produto, desencantamo-nos com a sua produção. Mas a saudade, teve, penso, ainda outra causa mais profunda. O velho despertador foi substituído por uma coisa bem diferente. Agora, à hora certa, saem geralmente de lá notícias ou anúncios ou, em dias melhores, eventualmente alguma música. Cada vez mais, do acordar ao deitar, sou acompanhado pelo ruído de fundo de qualquer coisa que pode ser rádio, TV, os carros na rua, as apitadelas no cruzamento ou mesmo só os berros que se soltam por aí. O tempo de silêncio quase desapareceu das nossas vidas. Como se já não fossemos capazes de estar sozinhos, temos de ligar o rádio ou ipod no carro, estudamos com eles ligados, trabalhamos a ouvir música. Muitas vezes, possivelmente, já nem a ouvimos, é só para estarmos acompanhados pelo ruído, uma companhia que se nos entranhou e sem a qual quase se sente alguma dor. O dia-a-dia tornou-se ENSURDECEDOR. Mergulhados em ruído, deixámos de ouvir (ensurdecer) a dor, para lhe sobrevivermos. Negando o silêncio, perdemos o hábito da reflexão, alienamo-nos mais uma vez. A seguir acabamos a fazer compras, envoltos na música de fundo de um qualquer Centro Comercial.

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