Não basta mostrar a verdade, é preciso apresentá-la amavelmente (Fénelon)
1. Com toda a amabilidade do mundo, em pequenas doses, servidas diariamente, têm-nos vindo a contar a verdade da economia do país. A verdade da economia, apenas essa. Essa verdade revelada pelo senhor Governador do Banco de Portugal, que por acaso já era Governador no tempo de outras verdades. Sendo até próximo daqueles a quem a verdade agora é revelada, fico com uma dúvida que me não sai da cabeça: ou o homem tinha as suas capacidades de analisar a realidade limitadas há uns meses atrás, isto é, o governo de então não lhe fornecia os dados que precisava ou o enganou deliberadamente (e isso é extremamente grave e ele devia denunciá-lo na altura ou pelo menos agora!) ou foi negligente nesse tempo, não procurando saber a verdade e ficando calado. Neste caso, devia assumir as suas responsabilidades. Já agora, que deveria fazer o governo que ganhou as eleições com um programa onde se dizia exactamente o contrário do que agora se faz. Obviamente, devia demitir-se por incumprimento de contrato para renovar a confiança no sistema. O fundamento seria, como fomos enganados, a nossa proposta estava errada, mas temos esta para as realidades concretas, aceitam? A coisa ficava mais ética e menos séptica. Mas, claro, vai-nos restar tapar o nariz. Por enquanto.
2. Para não haver desvios da amabilidade com que a verdade nos é servida nada melhor que construir um certo unanimismo à sua volta. Havendo verdades, a verdade pode ser posta em causa. Por isso, nada melhor que fazer muitos programas de televisão e notícias em que muitos, aparentemente diferentes, dizem sempre mais do mesmo, num discurso onde se percebe que todos bebem nas mesmas fontes. Vêem ex-ministros, economistas, doutores sempre com um discurso igual, mostrar que andamos a viver bem demais e que chega de paródia. Agora vamos ter de fazer grandes sacrifícios para não irmos à falência. Definitivamente, não há nenhum economista no país a pensar de forma diferente! Realmente, se não aparecer na televisão, então não há mesmo. Mas há por exemplo quem escreva Portugal é o país da União Europeia onde são maiores as desigualdades. Segundo dados do Eurostat, os 20% da população mais ricos recebem 6,5 vezes mais rendimentos do que os 20% mais pobres, quando essa relação é, em média, de 4,4 vezes em toda a União Europeia. Por outro lado, de acordo com um estudo divulgado pelo INE, os 10% da população mais ricos apropriam-se de 29% de todo o rendimento disponível, enquanto os 50% da população mais pobres recebem apenas 24% do rendimento.(Eugénio Rosa)Parece afinal que se pode pintar um quadro diferente.
3. Assim, a verdade dos desejos tão proclamados em campanhas eleitorais de que «queremos ricos menos ricos e pobres menos pobres» não passa se slogan afirmado com toda a falsidade por aqueles que nos têm governado. Das duas uma, ou são mentirosos ou incompetentes. Os resultados disponíveis não permitem concluir de outra forma, ou nos enganam repetidamente (uns e outros, isto é, PSD/CDS e PS)ou realmente são incapazes e deviam mudar de vida.
4. Portanto, todas as medidas para solucionar o problema serão muito justas e acertadas em tese, mas têm de ser avaliadas. Essa avaliação passa pelo grau de eficiência com que se consiga atingir o objectivo fundamental, reduzir o fosso entre os tais mais ricos e os mais pobres. É isso que está em causa com a panóplia de medidas que amavelmente nos vão servindo dia-a-dia? De outra forma, será que a partir de agora as casas de luxo vão ser difíceis de vender, vamos ter um parque automóvel mais à dimensão do país com menos Ferraris, Mercedes e BMWs, os grandes rendimentos e a grande propriedade vão ser mais declarados, os ricos vão finalmente pagar a crise?
1 comentário:
Está na natureza humana: queremos progredir, queremos melhorar, queremos uma vida melhor. E para isso trabalhamos, amealhamos, guardamos, investimos, reconvertemos, estudamos.
Agora imaginemos, para suportar o raciocínio que, se eu tiver uma uma vida melhor, uma casa melhor, umas férias mehores... terei que pagar mais, muito mais, muito muito mais, sempre mais,... para,... em nome de uma solidariedade para com os que não trabalham mais, que não se esforçam mais,... para que estes possam viver melhor,...
Valerá a pena eu esforçar-me? A resposta é, não, não valerá a pena. E quando todos nos conscencializarmos disso entraremos numa espiral de desgraça, desânimo e fatalismo.
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