terça-feira, janeiro 18, 2005

Sábios

Está agora em grande moda, virem os sábios, debitar a sua ciência sobre os pobres que somos. Eles caracterizam-se por fazerem os mais brilhantes diagnósticos. Como professores de Faculdade, ensinam, em alternativa à mais que evidente incapacidade de tratarem os doentes. Ainda bem, se os pusessem a assisti-los nos Serviços de Urgência mais rápido que os doentes, eles morreriam. Alguns já nem ensinam, passaram exclusivamente ao lugar de gestores. A um mês de eleições, pintam-nos a realidade em que estamos e, lá do alto onde estão, afirmam que precisamos de pagar mais impostos e ganhar menos para nos salvarmos. Pedem, como sempre fazem, mais sacrifícios em nome de deuses obscuros. E nós, pobres mortais, não entendemos por que será que esta pregação, pregada ao longo de dezenas de anos, leva sempre ao mesmo tratamento: apertar o cinto! Não, não podemos perceber, não conseguimos entender o que tem sido feito, como se explica que tenhamos uns poucos ricos prósperos e uns muitos pobres cada vez mais longe deles. Esta é a obra da Democracia de Alterne em que viovemos. Do deserto das ideias dos SS (Sócrates e Santana e amigos)nada de bom se anuncia. Cada vez mais tenho a sensação que nada os diferencia, tudo os une menos uma realidade: tem empregos para boys diferentes, mas todos apenas isso, boys and girls. Andam a dar-nos a mesma miragem há anos demais, iludem-nos com o único objectivo de que continuemos a consumir para manter a casa aberta. Basta de alterne, é chegada a altura de alternativa. Ou será preciso emigrar?

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de ter nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não


Jorge de Sena

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