quarta-feira, março 29, 2006

«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara»*

Depois de estar identificada, bem caracterizada, completamente demonstrado o seu crescimento, detectadas as suas causas, há a decisão sábia de combater o mal: a obesidade. Para o combate foi criada a Comissão, definidos os grupos de trabalho, que prontamente elaboraram as linhas de acção. Que fazer? Prevenir, facilitar o acesso às drogas, mutilar os estômagos. Parece fácil, até se sabe que as epidemias se tratam prevenindo. Mas isso, é quando há uma vacina à venda! Quando não, aceita-se com mais facilidade, a derrota, o tratamento da doença resultante da peste. Pior ainda quando, como é o caso, as causas são os hábitos condenáveis a que a sociedade liberal nos vai condenando: estar quieto, comer depressa e mal para que a santa Economia prospere. Comer até o lixo que ela produz para o seu engrandecimento. Mais fácil é facilitar o acesso às drogas, aos balões e às bandas, todos eles à venda, com a Economia desejosa de os ver mais comprados. Se isso lhes for garantido, até fornecerão uns trocos para se promover a prevenção, num risco calculado, até ao ponto exacto em que isso lhes não reduza em excesso o substrato.
Compete a uma Comissão técnica, propor não só as medidas, mas considerar a sua aplicação, a coerência das acções e, num ambiente de recursos limitados, propor até uma estratégia de hierarquia dos gastos. Não é inocente sugerir que se paguem as drogas e mutilem os estômagos e isso seja implementado e se fique pela sugestão das medidas de prevenção, sem as levar à prática COM RESULTADOS mensuráveis. Porque o tratamento desta peste é a prevenção, deixar alastrar o problema e tratá-lo a jusante, não é combate, é satisfação... da santa Economia. É aumentar o substrato!
E, realmente, nestas coisas das lutas tudo é político e quando os técnicos dizem que apenas o são, estão seguramente a fazer política, sendo que a tecnocracia é, habitualmente, política, mas da mais baixa. Por mim, prefiro ser técnico e político, obviamente, incorrecto, mas de um nível mais ao meu gosto. Fica-me, muitas vezes, a dúvida, se a cegueira existe ou se é apenas simulada. Como a mulher do médico «Hoje é hoje, amanhã é amanhã, é hoje que tenho a responsabilidade (...) de ter olhos quando os outros os perderam.*»

*Ensaio sobre a cegueira. José Saramago

Sem comentários: