Há algum pudor que nos impede de olhar a morte com naturalidade como se de uma senhora bonita e bem vestida se tratasse, como Saramago no-la apresenta. Pior do que a nossa, muito pior, é olhar a dos outros. E o pior de tudo é decidir sobre ela. Hoje, cada vez mais, depois de escolhermos o momento de nascer, começamos a ter nas mãos a decisão do momento de deixar a morte chegar. Muitas vezes, por um receio, possivelmente natural, tentamos encarniçadamente afastá-la, pesando mal o equilíbrio entre o sofrimento de estar vivo e a tranquilidade de o não estar. A todo o custo, muitas vezes, identificamos vida com prolongamento de tempo sofrido, quando, talvez, mais a devessemos identificar com esperança. Que vida há, além da esperança? Decidir o fim da esperança, é dos actos mais dramáticos desta profissão. Mas quando o olhar de desespero nos enfrenta, nem sempre devemos ser passivos e fazer de conta que não é nada connosco. Se dar esperança é obrigatório, menos não é, concordar com a falta dela, quando não o fazer é um prolongamento insano de dor. Fica um grande alívio, quando os corticóides, desta vez pelo menos, voltam a transformar o olhar e o oxímetro vai mostrando saturações crescentes, quando minutos antes desciam de forma angustiante. Mas se não, impõe-se ajudar o olhar a ficar tranquilo. Muito difícil, mesmo assim racionalizado.
Hoje ainda respirava e, tranquilamente, com olhar agradecido dizia, foi este, apontando-me o dedo. Mas afinal foi apenas ela, eu poderia ter sido obrigado a fazer outras coisas. E naquele momento de agradecimento, fico com o desejo inconfessável de que tenha alta, de que seja transferida para outro lugar qualquer antes da minha próxima urgência interna.
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