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Fim de tarde avermelhado. Só uma bola foi pouco... mas chega para recomeço.
“Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura. já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se a1guns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem” (Agostinho da Silva, "Cartas a um jovem filósofo") |
Prevaricar em benefício próprio deverá ser um dos principais combustíveis que nos fazem mexer. O gozo maior vem de enganar o outro, seja ele Estado ou colega. Cada vez que mais olho à procura da natureza dos homens, mais me parece ser isto verdade. O hedonismo é o nosso estado natural. Que poderíamos fazer e faríamos se tudo nos fosse permitido? Pois é, foram precisas as religiões e as leis do Estado para nos controlar. Acontece, que nos últimos anos temos cada vez mais abandonado a religiosidade e agora nos esforçamos por liquidar também o Estado. Se calhar é a Natureza e esta Evolução que explicam o estado a que estamos a chegar. O avanço da ciência retira-nos os medos e a necessidade de acreditar, porque só é preciso acreditar no que se não sabe. Quando sabemos, não precisamos de crer, sabemos simplesmente. à medida que sabemos, dominamos, temos novos poderes, não precisamos de invocar os favores de Deus. Compreendemos os fenómenos e controlamo-los. Tudo por nossa conta, sem apelar a ajudas. Qual então a necessidade de um estado para nos limitar os nossos poderes?
Mas o conhecimento não é universal, por isso o que ficou dito aplica-se a quem o tem e são esses quem propõe a sua libertação. Já agora em nome de todos para facilitar o seu domínio.
Aos outros, que por acaso são a esmagadora maioria, compete caminhar contra-natura, o que é, obviamente, uma caminhada bem difícil.Fazer um quadro visível melhor ainda que escrever um livro, mesmo que de linguagem quase matemática como as intermitências da morte, é programa de uma vida. O que é já em si uma expressão curiosa, porque programa será qualquer coisa que a vida deve ou não ter. Aqui os conceitos divergirão entre os que opinam que a vida é um momento e os outros que mais a vêem como uma sucessão deles com um destino a construir. Para os últimos o programa acaba por ser a própria vida, enquanto que para os primeiros um obstáculo que se lhe põe no caminho. É difícil decidir qual a opção mais valiosa. Tenho de aceitar que me atirem na cara que fumam estando conscientes dos riscos, que comem pelo gozo que lhes dá sem que ninguém tenha nada que ver com a obesidade de que sofrem ou a diabetes que virá, que bebem porque aquela colheita é o complemento necessário do prato que os deleita. E até podem ter toda a razão, que destas há mais do que uma e cada qual se não deve impor às concorrentes tudo dependendo das convicções mais profundas de cada um. Até entendo que um cidadão americano não use cinto de segurança, nem capacete na cabeça quando corre recostado na Harley. Quando se estampa é ele que paga a conta… Nos grupos em que há compromissos repartidos, onde o indivíduo ainda não esmagou a ideia do conjunto, as coisas possivelmente terão de ser vistas de forma mais prudente. Temos os direitos que acordámos ter com os que nos estão à volta. Neste caso, as nossas opções sofrem desse condicionamento, somos menos livres à custa de sermos mais tranquilos. Podemos optar entre o momento e o programa dos compromissos, o que se não pode ter, é estarmos com um pé de cada lado da parte boa da coisa, toda a liberdade e alguém que pague a conta. Sapo estas coisas que às vezes são pouco pensadas.
Depois de uma sexta-feira nauseada apesar da domperidona, preparava-me para um fim-de-semana calmo de reorganização de papéis. Estava eu nessa actividade quando, durante uma chamada telefónica, a minha mãe que descrevia em
Precisava de um domingo de repouso e consegui! O rapto no serralho já estava à espera de ser visto há uns dias e foi o primeiro momento alto do dia. Há um tipo que há 250 anos, nos fala de coisas simples como o de resistir por ideais, da possibilidade de o fazer (continuo a acreditar que ainda é, mas já somos poucos), de que a morte pode ser uma passagem para a paz, e de que o verdadeiro poder é a generosidade de perdoar e respeitar a vontade dos outros. Este é o poder que dura séculos, bem diferentes dos breves poderes que matam por necessidade, por medo. Os poderosos não têm medo, não precisam de subidas imediatas de cotações das acções. Bem diferente, do que se vê no Fiel Jardineiro, o filme da tarde. Também aqui a morte garante melhor a paz do que a força bruta do poder.
No meio disto, a discussão das caricaturas de Maomé não merece mais comentários do que os feitos por