quarta-feira, agosto 27, 2003

Dois bocadinhos de dia

A verdade que me mostram é que uns indianos mortos não é tão chocante como uma chacina algures noutra capital civilizada. Ao fim e ao cabo, parece que me dão a entender que serão todos da mesma subqualidade de gente. Do género só se estraga uma casa de família...

Depois há dias em que até me parece que esta casa ainda pode ser um hospital. Em que o diálogo pode ser possível, onde se ponha o máximo do que temos naquilo que é importante. Mas são só pinceladas fugazes. O cinzento vai voltar a borrar a pintura. Ou um dia o ar tenso de frete vai passar e virá ao de cima algum sentido de humor para nos descontrair. E fica-se mais leve e mais eficaz, quem sabe?

segunda-feira, agosto 25, 2003

Lutas medievais

Mais um dia em que a religião aparece como motivo de guerra. E não serão os deuses todos iguais? Matam-se na Palestina ou na Índia em nome de Deus. Neste século XXI, perpassa um sentimento medieval, do fundamentalismo paralisante, incompreensível para os simples agnósticos e apátridas deste tempo.
Com efeito, desde há muito que não consigo ser patriota e ser alguma coisa nesta terra não tem significado por aí além. A minha é terra é a outra Terra. Estou lá com muitos mais num desejo de globalização total. A evidência individual tem essa dimensão, é esse o sentido que as tecnologias tornam possível. Qualquer contributo real para reduzir a ignorância, é acrescentar a dimensão do Deus em que acredito. Com o tempo tenho percebido que se não luta por Ele, porque o objectivo é construí-lo a pouco e pouco. Deus assim parece fazer-me sentido, alguém que acrescenta a todos mais bem estar e que não castiga nem incita às lutas.
Possivelmente, o problema é como diz o Naom Chomsky que «a alegria da criação é algo a que muito poucos têm acesso na nossa sociedade: é possível aos artistas, aos artesãoe e aos cientistas». Essa alegria de descobrir, mesmo o descoberto. Essa é uma oportunidade necessária! Mas isso não será possível se dividirmos o mundo em pensantes e seguidores, em poucos criativos e muitos homens-máquinas. Alguma vez as máquinas avariam e comprometem a produção...

domingo, agosto 24, 2003

Em contra ciclo

Enquanto há vida....
A evolução descendente segue o seu caminho inexorável como um carro desgovernado estrada abaixo. Pressentimos, a irreversibilidade da situação e quase nem vontade já há de sermos deuses. É a fase em que vestimos o manto negro e depois de tudo termos tentado, vamos preparar a família, tentando explicar-lhes o fim que se anuncia. Homem prevenido, vale por dois, pensamos. Mas do lado de lá, a impaciência e desesperança de há dias, está agora substituída por um olhar luminoso e ouvimos anunciar com uma desconcertante firmeza que enquanto há vida há esperança, não é? Uma negação em contra ciclo. É daqueles momentos em que apetecia não termos razão, mas poucas horas depois chega-nos a confirmação do fim da esperança.

sexta-feira, agosto 22, 2003

Este quase semanário

Pois, não vai ser fácil dar continuidade.
Os dias passam tão rápidos como as correntes que ontem arrastavam carros no México e bloqueavam bombeiros patéticos em Las Vegas. Esta enxurrada perigosa que nos leva.

Entre urgências internas
Devo estar muitas vezes de urgência. Lembro-me de ter sido aqui que soube ter começado a Guerra do Golfo, a primeira. Foi aqui que agora soube terem matado o Sérgio Vieira de Melo. Há algo de sinistro em tudo isto. Eu aqui fechado, isolado do mundo. E o que faço? Tento prolongar sofrimentos inacabados...

A raiva vai-se escoando com o passar dos dias. Primeiro, o totalmente inaceitável; depois, aos poucos, começam a compreender e ainda nos olham como a implorar que sejamos deuses. Não somos, mas às vezes apetecia tanto.... Levanta-te e anda! Deixa de respirar tão apressado, para onde vais? Volta aos 37ºC, pára a taquicardia, deixa que o oxigénio se sature a 100%. Para que hás-de ser teimoso?
Mas percebemos que a viagem já começou, estrada abaixo. Ficamos mais pequenos que os homens. Não, não somos deuses e isso custa. Não foi para isto que estudámos aqueles seis anos e os outros todos a seguir. Esta minha derrota intolerável.

O Governo quer acabar com a Função Pública
Viva! Ainda se grita na minha terra. O cartaz do outro lado da rua anuncia o evidente. O prejuízo irá provavelmente ser de todos nós. Eram privados os responsáveis pelo blackout americano de há dias. Descobriram agora que têm uma instalação eléctrica terceiro-mundista e privada...

domingo, agosto 17, 2003

A difícil disciplina

Fico realmente espantado com a disciplina dos blogistas diários. Vir aqui todos os dias deixar um pouco do registo dos vistos e ouvidos e dos outros sentidos. Então o JPP é um monumento de generosidade pelas reflexões gratuitamente cedidas a todos nós.
Por mim cá vou tentando. Acabo agora a semana de férias que restava e vai também começar a minha nova época.
Edito aqui de seguida alguns bocados destas férias:

15-8-03
Início de época
Desde há dias que o assunto magno são as transferências e o início de época. Até já ouvi um dirigente desportivo falar em matéria-prima local (jogador produzido em casa) e mais-valias para a equipa. Assim, exactamente, como mercadoria. Para gáudio da Manuela F Leite, a nossa balança comercial vai resolver-se com as exportações desta nossa próspera indústria, possivelmente. Ou afinal talvez não, que o Brasil nestas coisas devia servir de lição! Mas deve ser por isso que só ouço falar de convocações e desconvocações para selecção. Afinal o Benfica não estará tão bem, perdeu com a Lazio de Roma. O Camacho que se prepare. Deve ser o próximo a fazer as malas neste engano nacional de que quando o clube perde, temos de substituir o treinador e seja o que Deus quiser. Afinal não seria a troca do Camacho pelo Professor Queirós que resolveria o problema do Benfica. Por mim, preferia ficar com o mesmo treinador e trazer alguns dos craques do Real em troca de alguns que cá estão.
No país político a coisa é igual. Os fogos não param. A política da oposição parece ser a da substituição dos ministros. Aprenderam com o futebol. Mas o que necessitávamos era de substituir o povo desleixado e incendiário para o resultado ser mais duradouro.

Às escuras
Os Estados Unidos ficaram ontem às escuras. Cinquenta milhões de americanos e canadianos, de repente, às escuras fechados nos elevadores e nos Metros das cidades. Bem domesticados, vi-os a fazerem enormes filas a caminho de casa. Muito tranquilos e sem pânico, tranquilizados pelos seus dirigentes que lhes diziam não haver indícios de terrorismo. E se acontecesse alguma coisa parecida nesta terra? Tudo aos berros e a correr e, logo, toda a gente a explicar a causa do fenómeno. Cinquenta explicações diferentes todas começadas por «eu acho que....». Estes políticos são todos a mesma coisa! Demita-se mais um Ministro. Se o ministro não se demitisse por antecipação como o da ponte que caiu. Realmente, deve ser dia de ministro abrir champanhe quando acontece um desastre, cá na terra. Finalmente, pode ir dedicar-se a algo mais rentável, voltar a não pagar sisa e ter horário de trabalho mais decente, incluindo férias.
Esta campanha anti-político como se fossem os únicos incompetentes deste país, deve possivelmente contribuir para criação de tantos sábios do acho que. Espanta como tanta gente acha e tão pouca gente faz coisas... Deve-nos ter ficado dos Achamentos. Ao fim de contas, para achar basta um pouco de desinibição e alguma inconsciência dos riscos. Complicado, é fazer coisas, que para isso já é preciso trabalho. E depois dos Achamentos, lá foi o negócio para os que, sem nada terem achado, fizeram. Deles foi o proveito, para nós a satisfação da fama.

terça-feira, agosto 12, 2003

Fogos privados, despesas públicas

Este é um desabafo politicamente incorrecto, possivelmente cruel.
O país está a arder. Ao que parece porque se não tem cuidado bem da floresta. Quem não cuida? Desta vez não é o Estado (leia-se Governo) só. Está, nesta missão de não cuidar, acompanhado por mais 600000 pequenos proprietários negligentes. Pois é, a realidade nua e crua. E agora que a coisa deu para o torto, haverá que ir aos nossos impostos e pagar a factura. Quando vendem os pinheiros, possivelmente não declaram ao fisco. Agora, os pagantes, que paguem a crise! Duma vez por todas, terei que dizer que já estou farto desta coisa que só acontece porque são 600000 vezes não sei quantos votos. Os cidadãos proprietários individuais não querem ouvir conselhos de ninguém, a propriedade é sagrada, a floresta não poderá ser gerida colectivamente porque isso seria um atentado à santa propriedade privada. Há azar e venha o colectivo pagar a conta. E são campanhas de solidariedade com todos os músicos muito solidários a aparecerem na TV, muito jet-set da treta solidário. Quanto valem estes minutos de publicidade gratuita? Certamente, compensa bem a cantiguita despachada no meio da praça da solidariedade.
Porque não há corridas de solidariedade quando são despedidos os trabalhadores das empresas? Poucos votos? Classes diferentes, gente sem propriedade?
E o mais certo é continuarmos a respeitar a propriedade privada, as matas a continuarem por cuidar, as limpezas por fazer e depois, quando o fogo voltar, o público que pague!
Só falta um dia destes também virem pedir que paguemos o endividamento das famílias decorrente do crédito mal parado... Eu, às vezes, gostava de não ser deste mundo.
na urgência interna
Tudo bem, eles sabem que não pode ser, mas não podem deixar de fazer. O avô entrou mal, todos querem saber de viva voz o que se passa. Os Telemóveis só servem para cham,ar mais e mais. Em carrinhas entram pelo Hospital, estacionam onde calha. Tem de ser. Estendem cordas entre as árvores para porem a roupa a secar e à noite, se necessário, acendem-se fogueiras para se aquecerem. Enquanto esperam pels notícias. Embora saibam que à noite não haverá novidades. Ou pode haver... Os ciganos! Desculpem , mas tem de ser!
E os outros. Os netos e os filhos dos avós que tiveram alta e que ninguém vem buscar. Devem andar muito ocupados a fazer não sabem bem o quê, a consumir o tempo e o resto das vidas deles. E os avós continuam a ocupar as camas e as macas, a serem mal cuidados a criar escaras.
Nós e eles. Em conjunto na mesma cidade. A cada uns os seus valores.

No elevador
A miúda lá em casa morde a gata. A bicha deixa fazer tudo. E a resposta mais surpreendente ainda: Os animais em casa são muito bons, tornam as crianças mais dóceis! Essas feras, as crianças... E querem que levemos estes valores a sério?

terça-feira, agosto 05, 2003

Um puzzle de queixas desconexas de aparecimento súbito e fica-se do lado de lá, do lado dos doentes. Nas mãos dos médicos, a experimentar as novas formas de diagnóstico. Agora, os diagnósticos fazem-se juntando pistas e não a história com a observação. Andamos demasiado depressa para falarmos com os doentes e temos tecnologia excessivamente acessível para perdermos tempo. De repente no meio da confusão, nos exames de um problema, algo aparece que tudo esclarece. É uma sorte! E depois, olhamos para trás e estava tudo na história. Tudo tem sentido fisiopatológico. Como nas histórias policiais, verificamos que as peças encaixam todas de forma muito perfeita. Era fácil, afinal. Difícil é imaginar o conjunto antes da evidência, com a tendência que vamos tendo para desconfiar das simulações excessivamente acreditadas. Deixamos de acreditar nos doentes, que, na verdade, com frequência simulam. Estimulados pelo mundo das imagens? Dão-nos imagens de dores imaginadas, hipertrofiadas para se ter importância. Pedro e o lobo.
Mas o drama dos doentes é real por terem de enfrentar dois obstáculos, esta dúvida e as dúvidas da hiperespecialização. Hiperespecialista vê a folha, um bocadinho da árvore, mas a floresta é-lhe inacessível. E os doentes são quase sempre uma floresta, quantas vezes mal cuidada e difícil de expugnar. Também é um drama dos médicos de hoje. Embrenhados no micro, divertidos na nossa superioridade de conhecedores do que os outros nem sonham, ficamos sem a visão global. E se caímos do outro lado, percebemos finalmente o drama. Teremos de viver a angústia da incerteza até surgir o tal momento de sorte. Deve ser um tempo longo em que nos passam pela cabeça todos os medos dos diagnósticos mais estranhos e se a sorte demora, o futuro deve ficar pequenino e talvez venha à cabeça a raiva do que não ficou feito na dúvida de já não ir haver tempo pela frente. Depois, a alegria do fim dos medos no alívio do puzzle acabado. Mas devemos ficar diferentes ou ficaremos de novo com tempo para tudo, donos da eternidade?