A Vida Vazia da Cidade
Instalámo-nos, portanto, na cidade. Aí toda a vida é suportável para as pessoas infelizes. Um homem pode viver cem anos na cidade, sem dar por que morreu e apodreceu há muito. Falta tempo para o exame de consciência. As ocupações, os negócios, os contactos sociais, a saúde, as doenças e a educação das crianças preenchem-nos o tempo. Tão depressa se tem de receber visitas e retribuí-las, como se tem de ir a um espectáculo, a uma exposição ou a uma conferência.
De facto, na cidade aparece a todo o momento uma celebridade, duas ou três ao mesmo tempo que não se pode deixar de perder. Tão depressa se tem de seguir um regime, tratar disto ou daquilo, como se tem de falar com os professores, os explicadores, as governantas. A vida torna-se assim completamente vazia.
Leon Tolstoi, in 'Sonata a Kreutzer'
Lido no Citador
Acompanhamo-nos cada vez mais, de mais objectos. Os mesmo filmes vão e vêem connosco nestas idas de fim-de-semana. E não encontram espaço no pouco tempo que temos. Ficam prisioneiros nas caixinhas onde guardamos as antologias. Dantes, eram grandes bobinas, ocupavam espaço, difíceis de transportar, projectavam-se em grandes écrãs, demoradamente, com intervalos onde calmamente bebíamos chá e conversávamos. Tínhamos até tempo, antes de os vermos, para assistirmos ao noticiário no cinema. Agora, compactados em DVD, numa caixinha mínima fica quase toda a obra de Hitchcock. Mas os pássaros estão trancados dentro da rodinha, sem tempo para saírem. Temos um sentimento de posse, de domínio, mas continuamos sem dominar a dimensão maior do tempo.
Estabelecer prioridades, é fundamental para nos não deixarmos ir pelo tempo dentro.
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