A mentira, na vida como na política, não é arma, e, mesmo quando a mentira é inconsciente, determinada pelo desejo ou pela ignorância e incapacidade de analisar a realidade e leva os seus autores ao refúgio numa espécie de realidade virtual, a mentira não augura nada de bom, porque só a realidade é real e, pelas leis da vida, a sua homeostase com o ambiente em que está, acaba por criar os mecanismos que não permitem que a mistura do azeite com o vinagre se mantenha de forma indefinida.
A legitimidade apenas se consegue pela verdade, não por se ter conseguido iludir os outros de forma transitória, calculada ou fraudulenta. Com o passar do tempo há sempre a emergência do azeite. É por isso, que um governo eleito, pode, passado algum tempo, ser ilegítimo. Acontece quando o contrato que fez com os eleitores é rasgado na prática do dia-a-dia e substituído pela realidade contrária ao que se tinha combinado. Nem a alegação da realidade em que se está e o seu prévio desconhecimento (impreparação!) servem para a manutenção do poder, que, rompido o contrato, é ilegítimo. Se as condições mudaram e o contrato não é realizável, é necessário fazer um contrato de retificação, isto é, apresentá-lo aos eleitores e ir a sufrágio. De outra forma, persiste-se na ilegitimidade do poder, no império da mentira.
É isso que sentem e manifestaram ontem alguns milhares de pessoas, que, de uma forma desorganizada e triste, quase sem esperança e só com revolta, andaram na rua ontem à tarde. Também andei e, se calhar como muitos deles, estava lá para ver como se estava (com os outros), saber quantos ainda não tinham desistido, quantos tinham acordado e estavam prontos para o combate. E eram muitos, bastantes, muitos velhos e algo cansados, ouvindo palavras de ordem que já nem repetiam muitas vezes, ensaiando cânticos desafinados, arrastando-se avenida abaixo lentamente, gritando raivas, a maior de todas a da cegueira de não se ver como se vai mudar. Um vasto grito de não aguentamos mais! Estavam ali mobilizados pelos que se arrogam uma superioridade por não serem políticos ou por quem, sendo político, tem como objetivo não querer ir pelo caminho em que outros andam. Mas por onde, nunca o dizem. Porque não sabem? Mesmo antes de serem «políticos» já enfermam do vício da mentira quando contam 500000 pessoas numa praça onde caberiam apertadas 150000, como se a quantidade fosse o importante e o relevante não fosse a raiva desesperada dos que ali estavam. E fazem política, quando promovem como valor o não se ser político, esquecendo até que alguns dos políticos nada têm que ver com o estado a que este Estado chegou.
A mudança exige ver a realidade e não afirmar o desejo como se dela se tratasse. A realidade de haver assimetrias sociais indecentes, a realidade de haver compromissos de pagamentos de rendas vergonhosas, a realidade de haver privilégios de organizações e pessoas incomportáveis economicamente e depois, também, mas só depois, olhar a impossibilidade de talvez até nem se poder continuar a ter algumas coisas boas como a saúde, o ensino, a segurança social que criámos porque somos civilizados e a que nos habituámos. Ou seja, corrigir os erros corrigíveis, criar um novo paradigma de funcionamento em que a facilidade e o desejo da vida a crédito seja substituído pelo mundo real. Vai ser mau para alguns credores, nomeadamente para a Banca, mas paciência.
Estou certo é que não se chega ao destino se não soubermos para onde queremos ir. Os organizadores destes ajuntamentos de indignação não sabem, mas há políticos que têm alternativas dentro de outros modelos e é com a sua liderança que a desesperança de hoje se transformará na certeza da vitória amanhã. E como disseram no passado alguns líderes, Até à vitória. Sempre!
1 comentário:
Estou de acordo contigo. Subscrevo o teor da tua análise.
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