quarta-feira, março 11, 2009

O medo da vida

Entrou triunfante, mostrando o registo de 24 da pressão arterial. Tinha ultrapassado mais um obstáculo do seu medo de estar doente. Disse que até aos 40 anos se tem uma ideia de imortalidade e que daí para a frente começa a percepção de que somos mortais. Não deixará de ser verdade, mas na contabilidade da vida, há mais a avaliar que a contagem simples dos anos. Até qualquer idade em que nos situemos há sempre a imperiosa necessidade de termos um programa de tarefas a realizar, os objectivos de vida. Se assim procedermos, quanto mais velhos mais tarefas realizadas, mais vida ganha, maior o nosso capital vital. Cada vez mais aliviados, mais capazes de ver a inevitabilidade do final. Por isso ter mais anos não é, necessariamente, dramático. Pode até pode ser leve se não formos sempre, em nome de causas menores, adiando a vida, os prazeres e as responsabilidades. Tenebroso é estar atado pelos medos que nos adiam para amanhã a vida que se pode ter hoje. Por isso, julgo que aqueles que se matam todos os dias para aumentarem o tempo de vida, na verdade pouco mais fazem que aumentar a morte a que já estão confinados. Depois, um dia, a morte chega, sem afinal a vida ter existido. Foi inútil.
Bom mesmo, será contemplar o passado, todos os instantes, numa serena revisão, sentado no banco, debaixo da pereira brava a lembrar-me de Neruda. Com a paz da certeza sentida de, também eu, ter vivido.

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