segunda-feira, março 30, 2009

A folha em branco

Acontece, algumas vezes, agir-se sem se sentir o rumo da acção. Mas pior ainda será ficar paralisado, esperando que algo aconteça. Resta então a reacção, possivelmente, tarde de mais, só a tempo do arrependimento. Inútil, nessa circunstância.
Usar as palavras, por vezes, é como atirar cores sobre uma tela. É a forma que nasce que vai encorpando o texto, procurando novos contornos e tons diferentes. De quando em vez, pára-se, para contemplar o objecto nascido, para logo depois o acrescentar até, finalmente, se sentir que mais nada se lhe pode pôr. Quantas vezes é nesse instante que o título chega de forma surpreendente. Não havia rumo, mas chega-se, curiosamente, ao destino, não por fado, mas pelo caminho determinado pelos instantes que criamos, uns a seguir aos outros, alinhados. O quadro pode então estar colorido de sentido ou, como também acontece, ficar, simplesmente, côr de merda. Da inacção, porém, apenas nascerá o vazio da cor.

sexta-feira, março 27, 2009

Mares e lagos

Sou sempre mais tentado pela visão do mar que pela visão dos lagos. O mar tem o conflito das ondas com a areia da praia gerando uma renovação constante e surpreende-me quando, a cada vez, vejo a sua construção diferente dos areais. Nos lagos reflectem-se narcisicamente as paisagens e, se falta uma brisa ligeira, nada de novo acontece além de uma cópia precisa. Na estagnação não há novidade, apenas rotina e, por vezes, mesmo algum mau cheiro.
Esta é uma das desgraças dos tempos actuais onde o politicamente correcto varreu o conflito do dia-a-dia e normaliza, cada vez mais, a nossa acção. Tudo se faz de acordo com directrizes ditadas por deuses e segundo a sua vontade. Pensar, gizar o conflito é ou mal visto, ou rotulado de ingenuidade, numa altura em que o fácil impera e o caminho mais rápido para o sucesso é a anuência acrítica. Os homens são também espelhos imóveis das imagens que neles projectam. Pouco a pouco, há uma verdade única que se instala, restando a alguns poucos, cada vez menos(?), sussurrar que fascismo, nunca mais. Mas até nesse rumor há, quantas vezes, apenas o reflexo de outras vontades e não um genuíno desejo reflectido.
Descrente nos homens talvez, mas como negar a evidência?

quinta-feira, março 26, 2009

A persistência na asneira

Eis a nova composição do Hospital de Santa Maria. Noventa «early birds», uns 300 colaboradores de primeira e o resto pessoal mal parado(cada vez com menos vontade de colaborar). Por mim, sinto que mais vale ser pessoa, que colaborador em certas organizações.

quarta-feira, março 25, 2009

Mal parados

Ao início é uma irritação intolerável, depois extravasa-se com quem temos ao lado e finalmente serena-se progressivamente. É assim que nos vão impondo a vontade, aproveitando a ineficácia do que não fazemos. Precisamos de nos mover, mesmo quando o que nos tiram é o estacionamento. Ficamos mal parados, quando a situação exige acção.
Criar um estacionamento para alguns que o não usam, deixando os que o usariam sem lugar, é paradoxal e uma burrice de quem gere. É desperdício de recursos, ineficiência, má utilização dos dinheiros públicos. Não estamos em tempo de subaproveitar recursos em nome de privilégios imerecidos muitas vezes.
Mas não é fácil inverter uma lógica que a não tem. Mas também não podemos aceitar o que é inaceitável, exactamente e só por isso, só por que não é decente. Porque isto da decência tem de vir sempre antes do direito; na verdade, não temos o direito à indecência.
Os direitos devem corresponder e satisfazer necessidades e apenas isso. Tudo o resto é passado.
Por agora, recuaram, mas sem uma explicação cabal da insatisfação, não tarda, avançarão de novo.

quarta-feira, março 18, 2009

Momento de cansaço

Na verdade e como diz o Professor, quando a evidência está nas coisas e a inteligência não está nas pessoas pouco há a fazer.
Há reuniões que cansam e tiques tácticos que me irritam. Farto de marcar a próxima reunião sem estabelecer objectivos e ordená-los por prioridades. Resta-me a liberdade que não parecem ter.

domingo, março 15, 2009

«Tá-se»

Sem querer diminuir a iniciativa, não posso deixar de dizer que algo de estranho se passa quando tanta gente fica contemplativa perante a imagem de uma cegonha, onde tão pouco acontece. Além do depenicar nas penas... Mais extraordinário, é que se façam comentários sobre esta nova forma de cinema mudo, com uma intensidade narrativa digna de Manoel de Oliveira. Curioso, é que frequentemente esses comentários são expressão de felicidade inspirada pela visão.
Pátria de comentadores felizes e de olhares vidrados em quase nada. No fundo, traduz o ritmo a que vamos andando: raramente se voa... como as cegonhas.

sexta-feira, março 13, 2009

Perigosa unidade


Continua-se, culturalmente, a ser do contra. Ouvidos na manifestação de hoje, estão todos contra o Sócrates, sem que ninguém perceba a favor do que estarão. O mais estranho é que por um pudor esquisito, a esquerda em nome de uma unidade táctica, não se demarca da direita que fica no silêncio da contabilização do descontentamento. Esfregam as mãos. Afinal, se a Dra. Manuela fosse poder, as reformas estariam garantidas a 100%, controladas por seguradoras que teriam investido em fundos fantásticos, os funcionários públicos estariam todos empregados pela política de pleno emprego sempre defendida pelo PSD para a Função Pública, os professores continuariam sem qualquer esboço de avaliação. Quando foi ministra da Educação a Dra Manuela nunca tal fez, limitando-se a afrontar os estudantes que lhe mostravam o cú. Até a crise internacional não existiria, porque isso foi um desastre de políticas nunca defendidas por Borges subitamente desaparecidos. Qual era o papel do Estado para eles? Suicidar-se ou morrer naturalmente, não era?
É muito importante ter-se presente que se não deve ir para a cama com o inimigo. Até porque é sempre uma boa forma de se acordar morto.

Negligência

Esqueceu-se do filho dentro do carro e ele morreu. Negligência, claro. De quem? Do pai ou dos ritmos de trabalho loucos que os informáticos de 35 anos têm agora? A concentração absoluta nos objectivos, na produtividade, leva a distracções fatais. A criança ficou abandonada por excepção, mas a vida destes tipos fica esquecida todos os dias. Em nome de deuses bem pequenos.

quarta-feira, março 11, 2009

O medo da vida

Entrou triunfante, mostrando o registo de 24 da pressão arterial. Tinha ultrapassado mais um obstáculo do seu medo de estar doente. Disse que até aos 40 anos se tem uma ideia de imortalidade e que daí para a frente começa a percepção de que somos mortais. Não deixará de ser verdade, mas na contabilidade da vida, há mais a avaliar que a contagem simples dos anos. Até qualquer idade em que nos situemos há sempre a imperiosa necessidade de termos um programa de tarefas a realizar, os objectivos de vida. Se assim procedermos, quanto mais velhos mais tarefas realizadas, mais vida ganha, maior o nosso capital vital. Cada vez mais aliviados, mais capazes de ver a inevitabilidade do final. Por isso ter mais anos não é, necessariamente, dramático. Pode até pode ser leve se não formos sempre, em nome de causas menores, adiando a vida, os prazeres e as responsabilidades. Tenebroso é estar atado pelos medos que nos adiam para amanhã a vida que se pode ter hoje. Por isso, julgo que aqueles que se matam todos os dias para aumentarem o tempo de vida, na verdade pouco mais fazem que aumentar a morte a que já estão confinados. Depois, um dia, a morte chega, sem afinal a vida ter existido. Foi inútil.
Bom mesmo, será contemplar o passado, todos os instantes, numa serena revisão, sentado no banco, debaixo da pereira brava a lembrar-me de Neruda. Com a paz da certeza sentida de, também eu, ter vivido.

segunda-feira, março 09, 2009

Portal do doente, um instrumento para melhor Saúde

O aumento crescente da prevalência das doenças crónicas, tem tornado a prática da Medicina progressivamente mais complexa. Com frequência, no mesmo doente, coexistem patologias de várias especialidades, exigindo apreciação por diferentes especialistas, tendo em vista a optimização dos cuidados médicos. Um doente diabético, por exemplo, tendo a gestão dos seus problemas de saúde centrada idealmente no médico de Medicina Geral e Familiar, carece com frequência de apoio de outras especialidades, como a Endocrinologia, a Cardiologia, a Nefrologia e a Cirurgia, entre outras. Cada vez mais, os médicos deixam de ter os seus doentes, porque os problemas de saúde destes são melhor geridos pela cooperação de vários especialistas, contribuindo cada um com os seus saberes para a sua resolução. Assim, deverão os doentes passar a ter os seus médicos. A gestão das doenças nestes casos implica interacção e comunicação entre os vários técnicos, a qual se não consegue com a actual estrutura de comunicação, resultando, com frequência, uma prestação de cuidados, no mínimo, fragmentada. Nalgumas situações, podem mesmo ocorrer erros, por exemplo, com duplicação quer de prescrições de fármacos, quer de exames auxiliares. Nas condições da prática médica dos nossos dias, com o tempo de duração das consultas progressivamente mais encurtado pela pressão do número crescente de atendimentos, não há muitas vezes disponibilidade para escrever aos colegas a informação necessária. E mesmo que isso se faça, vai muitas vezes escrito com letra dificilmente decifrável… Estes são problemas que, como médico, me confronto quase diariamente e que seriam evitáveis com medidas simples numa altura em que muito facilmente temos (ou deveríamos ter) nos consultórios um instrumento fundamental para prestação de cuidados: um computador com acesso à Internet.
É fácil imaginar que o acesso limitado à informação produzida por outros colegas sobre um doente específico leve não só às já referidas duplicações de meios auxiliares de diagnóstico e mesmo de prescrição de medicamentos, mas também a referenciação indevida a outras especialidades, consumindo consultas desnecessariamente. Mesmo que esta realidade não acarrete directamente complicações dramáticas para a saúde do doente, dela resultam custos acrescidos nos cuidados. Isso traduz-se em ineficiência dos sistemas de saúde, numa altura em que o combate ao desperdício deve ser uma prioridade e uma exigência no Serviço Nacional de Saúde.
O desenvolvimento das Tecnologias de Informação, permite, hoje em dia, obviar a estes problemas do Sistema de saúde e pode contribuir para uma melhor prestação da continuidade dos cuidados médicos, evitando recurso aos serviços hospitalares e de emergência, melhor uso das estratégias de prevenção, melhoria dos cuidados prestados no alívio dos sintomas e controlo da doença, com resultante maior satisfação dos doentes. Com efeito, é possível que os dados clínicos de um doente observado num hospital de Lisboa, possam facilmente ser partilhados pelo seu médico de família e por outros especialistas onde tenha de ir, mesmo quando, deslocado no Porto, tenha um achaque súbito que o leve a um Serviço de Urgência. Com esta rede de informação ganharia o SNS e, obviamente, o doente.
Não deixo, pois, de estranhar que de uma forma generalizada não se implementem as medidas que permitam atingir estes objectivos. Isso, possivelmente, dever-se-á à existência de barreiras ao nível do Sistema, dos médicos e, talvez, dos próprios doentes. Ao Sistema, porque se inibe de investir, mesmo sendo de admitir que o retorno estaria assegurado pelos ganhos de eficiência. Aos médicos, exige-se uma nova atitude cultural, para que deixem de se sentir donos do doente e da informação que deles colhem e passem a sentir-se elementos de uma equipa que concorre para a gestão do processo patológico do doente. Aos doentes, a decisão sobre se a informação que fornecem aos seus médicos, pode ser partilhada pelos que os cuidam e de que forma. Este último problema, que entronca com a questão do segredo médico e com a protecção dos dados individuais, é muitas vezes invocado com fundamentos legais para inviabilizar a partilha da informação clínica dos doentes entre os vários médicos que lhes prestam cuidados e tem obstado, por exemplo, a que nalguns hospitais continue a não existir um processo único do doente. Está-se em abstracto e de forma paternalista a proteger alguém a quem ainda se não perguntou se quer ser protegido dessa maneira. Pessoalmente, colocado na posição de doente, não tenho dúvidas que a minha informação clínica (disponível no meu «portal de doente» - o Google Health disponibiliza um esboço limitado do que isso pode ser- protegida por uma senha de que eu seria o dono, e acessível aos médicos de que, eventualmente, possa necessitar para me tratarem) me protegeria melhor do que a informação dispersa e, eventualmente, inacessível. E se eu posso expressar a minha vontade, julgo que isso é um direito de todos os doentes. Para os mais cépticos a este respeito, sempre se poderá garantir o sigilo da informação, determinando que caberá ao doente fornecer (ou não) aos clínicos a senha de acesso à sua informação. No entanto, e por defeito, a informação deveria estar acessível e ser facilmente partilhável.
Julgo que este é um caminho e um tema de debate que urge iniciar na Saúde em Portugal. Os ganhos parecem ser tão óbvios, que até custa verificar que se não avance nesta direcção desde já e se continue a desperdiçar o dinheiro dos contribuintes e a não fornecer os melhores cuidados possíveis aos doentes. Doentes, médicos e engenheiros, uni-vos!

sexta-feira, março 06, 2009

Bloco dos instantes

A clareza transparente dos números perturba a opacidade reinante no poder. Deve ser essa a razão por que existe uma espécie de horror aos dados informáticos, frequentemente diabolizados em nome do bom senso dos chefes.

É conveniente não adiar a vida todos os dias, pois pode, simplesmente, chegar a não acontecer.