Enquanto as notas de Berlim permanecem ocultas no emaranhado dos papéis da secretária e a ausência de acontecimentos relevantes me causa uma inércia já quase habitual, foi precisa a irritação do surto agudo de euforia nacional para me pôr fim ao tédio. Ia ontem Avenida de Ceuta abaixo na certeza de mais uma fila a caminho da Ponte, quando me deparei com o inusitado estendal da bandeirinha. A coisa, de momento, ainda não transborda além dos bairros dos deserdados, sempre mais prontos a celebrar a nação que os expulsa do convívio da fortuna. Foi sempre assim, ao longo dos tempos, ou não foi a Nobreza que foi sempre conivente com as ameaças de independência, enquanto Nun'Alvares comandava a populaça? Aos dominantes tanto faz a Pátria, haja gentinha para sugar o trabalho e tudo está certo. Foi esta uma das ideias que recentemente me assaltou em Berlim. Afinal quem perdeu a guerra foram os alemães, não os Krupps e companhia, que no final da guerra mais ricos ficaram, sempre prontos para a reconstrução.
Os dominantes sempre tiveram pouca Pátria. Criaram o conceito para entreter os que os mantêm, dar-lhes uma sensação de grupo, razões para lutarem uns contra os outros, enquanto, eles, vão globalizando, deslocalizando, gozando os rendimentos à custa dos que têm Pátria. E a coisa tem evoluído por ciclos, sempre os mesmos a dar para os outros de sempre. Poder-se-ão manter os ciclos na globalização dos povos todos? A estratégia da cenoura na ponta do pau tem funcionado bem até aqui, mas com o acesso progressivo ao conhecimento poderá ser mantida? Bastará ao liberalismo transitar de target para se manter? Depois do Imobiliário, do subprime, o petróleo e depois outra qualquer? Ou a máscara vai começar a cair?
Tenho saudades dos tempos em que havia novas alvoradas de esperança no futuro. Agora, assisto a conformismo, desorientação, quase o desejo de estar imóvel enquanto o tempo passa. A vida dos filhos anuncia-se, pela primeira vez, mais sem esperança que a dos pais e tudo parece natural, impossível de mudar. Ou seja o mundo regride e ninguem reage. O conformismo foi instituído pelos ladrões da esperança, de momento, ainda triunfantes. Os mesmos que promovem a euforia que nada dá, realmente, além do transporte para um mundo de anestesia. A religião que era o ópio do novo, substituída por futebol.
E eu fico sem saber se isto tudo é nostalgia de velho irremediavelmente anunciado, se o inconformismo do jovem que ainda persiste.
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