Lembro-me deste país de mulheres de negro e ainda recordo os relatos das sardinhas comidas aos terços, neste país. Era um país dos sem voz onde algumas das histórias tinham de ser contadas às escondidas, porque neste país havia ouvidos pelas esquinas e eles dominavam tudo. Comiam tudo como dizia a canção do Zeca. O que provavelmente não sabiam é que mesmo depois de despejados numa madrugada às 3 e tal, continuariam a habitar as cabeças dos que vivem neste país. Passados todos estes anos, este país continua a ser pertença de outros que fazem acontecer coisas só possíveis neste país. Este país em que outrora havia não só a esperança de mudar e a certeza de um dia acabar com aquele país, converteu-se num país de gente fadista, dominada pelo destino deste país. Continuam a ser eles que fazem este país, nunca somos nós, pobres manipulados. Como se os países fossem feitos por uma espécie de marcianos e não por nós que cá estamos. Ainda por cima, agora, em que fazer um país não nos faz perder o emprego nem leva à prisão. Mas os senhores de outros tempos entranharam nos genes dos que falam deste país com o desprezo das vítimas, este atavismo. Somos realmente todos, excepto os donos deste país, gente esforçada, pagadora de impostos, incapaz de aceitar um favorecimento pessoal, aceitar um subsídio, dar um golpe na fila. Somos uma corte angelical do Diabo que nos conduz. Ou, se calhar, somos um bando de impotentes incapazes de mudar prontos a todo o momento em embarcar numa euforia de campeões europeus ou grandes libertadores de um qualquer Timor. Depois do voo, a queda e a depressão de assentar os pés na terra e sentir este país.
Vem isto a propósito de um prazer pessoal que tenho que é andar na classe Conforto do Alfa. Em primeiro lugar, aqui toda a gente paga o seu bilhete, ninguém anda por conta. Depois é um tilintar constante de telemóveis e falhas de rede, que os e as exasperam. Neste país só funciona o ACP e Brisa, vai dizendo a superexecutiva enquanto trata das próximas férias em Marrocos. Que horror, agora descobriram Marrocos e está difícil arranjar hotel. Sim, de 5 estrelas, um relais chateaux ou mesmo um Palácio que, esclarece, é menina de Palácios como muito bem saberá (o namorado?). E também há o advogado, que afinal vai para não sabe bem onde, se para o tribunal se para o local da peritagem. Tudo em tempo real, perguntas e respostas nos intervalos das quedas da rede. Ou a secretária que marcou mal o bilhete e agora vai duas horas depois do que queria, mas ainda bem, que se deitou tardíssimo. E não param os trimmmmm. Neste país é assim, a este ritmo infernal se trabalha, sem tempo para olhar as papoilas na beira da linha ou campos roxos de alfazema. E a pressa é tanta que querem chegar mais depressa, de TGV, ganhar meia hora. Para terem mais tempo para o trimmm-trimmm. Neste país, são estes os verdadeiros vencidos da vida, que não têm, correndo sempre atrás de uma imagem que lhes vendem, da cenoura que se acena aos burros.
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