Há várias coisas que me fastam do liberalismo, mas, com certeza, esta é uma das mais óbvias e realçadas nos tempos mais recentes. Não gosto da sensação do canceroso, desta maneira de estar vivo, apenas como se este pudesse ser o último dia da vida. Foi a isto que os tempos recentes de governação e ideologia liberal nos tem determinado: estarmos vivos até ver, incapazes de planear, programar. Nada mais é previsível, ninguém sabe o dia de amanhã, o medo veio ocupar o tempo todo. Ficámos sem a liberdade individual de planear a vida nesta necessidade opressiva de sermos os lobos uns dos outros. Vive-se a ditadura da incerteza e do instante em que se está a sobreviver depressa.
O capitalismo aposta no risco como supremo valor para dar cor à vida dos homens e nas eventuais diferenças (genéticas?) para justificar as diferenças sociais entre os indivíduos. Assim, o risco do empreendedor é apontado não como meio, mas como objetivo de vida, um valor supremo. O planeamento da sociedade é mostrado como algo de velho e paralisante, incapaz de gerar progresso e inovação, mesmo que não se perceba para onde se quer ir avançando tão depressa. Mesmo que o avanço possa levar a uma situação fatal e irreversível. Todo o avanço tecnológico gerador de riqueza é apontado como a meta suprema, induzindo-nos o esquecimento de quem é o beneficiário dessa situação, uma elite cada vez mais pequena e mais dominadora. Uma elite em que se revelam as diferenças não genéticas (ainda que existissem nada justificariam), mas as sociais, geradoras das diferenças entre os homens. Andar na corda sobre o precipício deve ser o gozo supremo de uns quantos loucos, mas certamente a maioria dos homens gosta de caminhar com os pés no chão. Só que os equilibristas dominam cada vez mais todos os outros, impondo a sua cultura de risco e assim deixam à sorte o papel de selecionadora natural e, sobre a pilha de mortos acumulada no desfiladeiro, avançam cada vez mais seguros sobre o arame. Não será tanto a genética (afinal o homem nem sequer é tão diferente de uma mosca) que diferencia os homens, mas mais o local onde nasceu e se cria.
É na propriedade original de cada um que se consubstanciam muitas das diferenças futuras e é desprezível o conceito do risco cada vez menor que alguns dizem correr, porque o objetivo maior seria que um número cada vez mais vasto fosse capaz de realizar a caminhada. Não é nesse sentido que temos ido.
É esta consciência de que as diferenças não são assim tão evidentes que me faz sonhar com, por exemplo, a existência de um vencimento máximo nas organizações, obviamente indexado ao mínimo que nelas fosse praticado e também com a liberdade de saber o que nos espera através da forma como organizamos, garantindo a forma de vida adquirida, sem sobressaltos ou inquietações que nos roubam a tranquilidade da vida em benefício de uma sobrevivência incerta.
É por isto tudo que também lá estarei daqui a cinco dias.
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