quinta-feira, agosto 20, 2009

Jesusalém

Havendo uma história para contar é possível escrevê-la, mas disso pode apenas resultar um livro policial ou um best-seller, quando se anda na televisão. Diferente será fazer um livro de contos ou um romance. Para isso não basta haver uma história apenas, tem de haver também a escolha das palavras que a contam. Podem imaginar-se as palavras todas emaranhadas dentro de uma enorme caixa, a caixa das palavras, coberta por um pano preto, por onde entram mãos sábias na busca das melhores palavras. Quando as mãos são realmente sábias, as palavras saem lá de dentro alinhadas num texto que mostra os cheiros, as cores, as texturas, um mundo todo novo e inesperado. Um romance deve nascer como uma escultura, da pedra, pela eliminação da pedra excedente. Ao fim de muito martelar fica a maciez da forma capaz de encantar os olhos.
É também disto que as férias se fazem, do tempo de leitura. Nestas fui levado a Jesusalém (Mia Couto) numa viagem parecida com outra há já muitos anos, também numa praia, quando apreciei igualmente surpreendido a lisura do texto da construção do convento de Mafra. Agora, senti-me menino à volta da fogueira, em noites quentes com silêncios de rastos de bichos e luzes lá no alto, muito longe. Os romances permitem sentir o rigor da extração da pedra supérflua. Nada têm que ver com os best-sellers.

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