sexta-feira, outubro 19, 2012

No meio da «ciência»


E fiquei a pensar se pode haver empowerment sem responsabilidade individual, isto é, o doente pode ser convidado a decidir a sua terapêutica se não tiver que acarretar com os seus custos? Pelo mesmo custo, escolher-se-á sempre o mais caro, que geralmente é o melhor. Isto desde que se não tenha que ter em conta a relação custo-benefíicio. Mas no caso do nosso sistema de saúde nem é o doente que escolhe, é o médico, muitas vezes premiado por fazer a escolha mais onerosa. Está tudo do avesso, não é só a bandeira.

Um dia inteiro a fazer flores à volta de um artigo do Diabetes Care. De várias formas, com graças (poucas!) diversas lá se vai mostrando que são os doentes que têm que decidir, uma vez aconselhados, que tratamentos devem fazer depois de aconselhados pelos seus médicos. Pelo meio alguma ciência comprometida manifestando as tendências dominantes do Mercado (farmacêutico), sempre as mesmas na substância: os medicamentos muito bons do passado (baratos) devem ser substituídos pelos mais recentes (mais caros). É a evolução científica a bem dos doentes, mesmo que a eficácia seja semelhante há sempre algum efeito acessório menos frequente (menos de 5%), alguma facilidade de administração, alguma coisa pequena que justifica uma enorme diferença de preço.  E já não tenho energia para falar de uma coisa simples como seja a responsabilidade do doente na implementação de medidas não medicamentosas (corrigir a causa da diabetes), porque a defesa da facilidade tudo justifica. Mas tenho para mim que a sociedade só deveria pagar estes custos da negligência individual se fosse provado que os custos das complicações são superiores aos custos da terapêutica. De outra forma é irracional que o faça. Não negando a possibilidade dos tratamentos, é inaceitável que a falta de cuidado de quem os poderia ter seja custeada por todos. Nestes casos, seria razoável indexar os custos do tratamento à capacidade económica do indivíduo prevaricador. Isso iria contribuir para opções mais conscientes dos doentes e a escolha aí já não seria mesma de sempre, o melhor de todos, porque o fator preço entraria na equação da decisão. Então o empowerment faria sentido.
Uma gestão decente (justa) dos recursos implica que se façam opções e se privilegie o pagamento integral apenas das doenças em que os doentes são vítimas inocentes da sua patologia, por exemplo as doenças genéticas, auto-imunes, degenerativas e as ambientais de causa não controlável individualmente. A responsabilização dos doentes é da mais elementar justiça.
Mas isto é conversa séria demais para um público ávido do bem-estar e tranquilidade que tudo isto dá.

O Expresso chega só depois do meio-dia. São os custos da insularidade, o atraso nas notícias. Mas há a TV Madeira que nos mostra nos interlúdios borboletas de asas salpicadas de muitas cores e nos diz que não havendo um especialista por perto as não devemos tentar apanhar porque as podemos amputar irreversivelmente. E que úteis são na defesa do ecossistema. Ternurenta a informação da TV regional… Aqui para cerca de 250000 pessoas há um canal de televisão, ou seja os custos da continentalidade nada têm que ver com esta realidade ou teríamos que ter a TV Almada, a TV Amadora, a TV Lisboa (vários canais, claro…).
Na falta do Expresso, percorro os andares do Centro Comercial Madeira (ou será Madeira Shopping?) constatando as lojas vazias com vitrines cobertas de jornais e folhas de A4 com a inscrição VENDE_SE.  A crise chegou à pérola esburacada.
Melhor fico olhando o mar azul na frente da janela do quarto. Sereno, quase sem ondas, de vez em quando um barco. Na piscina, reformados da Europa do meio, esperneiam numa aula de hidroginástica que nunca lhes irá diminuir os excessos das barrigas.  

Sem comentários: