sexta-feira, outubro 29, 2010

Certezas de médico

Com o passar do tempo, a maior certeza que se aprende é que a incerteza e a surpresa são a regra desta profissão. Não nas grandes séries onde a tendência para a normalidade gaussiana é uma inevitabilidade, mas nos casos concretos, onde sempre é possível morar-se nas franjas e nos outliers. Por isso, frente ao doente individual e à medida que cá andamos há mais tempo, temos que ter sempre a dúvida e não a arrogância da verdade matemática própria de médicos jovens. Essa é uma das grandes lições que o tempo ensina e uma mensagem necessária para transmitir aos mais novos que connosco se cruzam. Esta é uma profissão de incertezas e dúvidas metódicas e nunca de verdades absolutas que só a arrogância ignorante de alguns pode exprimir. Há um equilíbrio complexo entre o bom-senso que a matemática ensina e o reconhecimento da excepção à normalidade, com a realidade sempre presente de que o erro é inevitável e simultaneamente inaceitável porque, ao contrário dos jogos, aqui só há uma vida. Por isso esta profissão é tão aliciante se não houver a cedência ao charlatanismo da infalibilidade, infelizmente existente nalguns dos seus praticantes. Mau é haver quem a use para a sua afirmação pessoal e ponha em causa a dúvida necessária. Nesse caso melhor fora que fossem matemáticos, gestores ou tivessem outras profissões onde o substrato com que se lida não fosse a vida. Por isso, ser-se médico é uma vida inteira.
Depois há também uma imperiosa necessidade de fugir à tentação do raro e do que não dá esperança aos doentes. É fútil e apenas revela um prazer doentio de alguns praticantes, que sobrepõem o gozo pessoal da sua promoção, aos bons resultados para os objectos da sua actividade.

1 comentário:

RC disse...

É verdade o que escreve.
Há uns tempos escrevi também uma mensagem um pouco relacionada com esta temática.
Quando uma profissão, como é o caso de um médico, lida com a vida dos outros, a sua responsabilidade é maior. Os seus sucessos serão elogiados e os seus eventuais fracassos, injuriados.
Mas uma coisa é certa; quem é médico, nunca deixa de o ser.
Parabéns pelo artigo. Gostei muito.