Acontecem às vezes períodos de hibernação por falta de assunto ou cansaço e indiferença perante os raros temas de comentário. O desligar ocasional do tempo que nos envolve justifica-se perante a ausência de algo que seja relevante dentro de 5 anos. Muitas coisas fantásticas têm apenas reservado o seu lugar em listas raramente consultadas de eventos. Afinal, quem se lembra de quem ganhou a maratona X ou o prémio Nobel Y? Quanto tempo duram esses momentos fantásticos? O que permanece de todos nós e qual o nosso objectivo? Que sentido tem marcar a existência? Quase sempre existimos como as pegadas deixadas na beira-mar à espera da próxima onda, primeiro muito bem delineadas, logo a seguir apenas esboçadas com os contornos mais imprecisos, finalmente a areia retoma a forma original como se nada tivesse acontecido. Apenas fica a geografia e o permanente diálogo dos elementos no escoar do tempo.
Reflectir é uma actividade cada vez mais perigosa e inconsequente nos tempos em que a moda é das poucas formas de gratificação. Voltando ao mar, ir na onda é a maior tranquilidade. Cair do tsunami, então, é o supremo gozo, a adrenalina na sua forma mais intensa. Há quem consiga, outros não. Quando a genética o não permite, há que procurar outros analgésicos que atenuem a dor do irresolúvel. Deve ter nascido aí a ideia dos valores e da moral. Algo a que poucos se apegam, mas serve de lenitivo a alguns.
Há um endeusamento da sobrevivência que nos faz esquecer a importância da vida. Sem notar a idiotice do que dizia, ouvi há dias um guia de um parque zoológico, afirmar convictamente que ali no parque, em cativeiro, os animais viviam mais 10 ou 20 anos, que no seu ambiente natural. Dizia isto como se de coisa vantajosa se tratasse, o pobre sobrevivente. Curiosa esta cultura do medo da morte, que gera todos os outros medos (da gripe, da carne de vaca, do terrorismo e tantos outros), esquecendo o único medo que se justificará, o de adiar a vida na sobrevivência a todo o custo. A morte surgirá inevitavelmente, quer tenha ou não havido vida. É por isso que um quantificador de vida acrescentado todos os dias é tão importante para que, no momento final, não se constate que o conta-vidas está a zeros...
No meio disto, sorrio da importância dos resultados eleitorais,dos jogos dos pequenos poderes dos desatentos. Fico mais interessado e divertido com o horror ao vazio do terrorista que vive em minha casa. Ele percebe que a vida é para ser feita acompanhado e, sempre que o deixam sozinho, reage, sem piedade, de forma bárbara com um atentado diferente todos os dias. Um dia derruba todos os vasos que apanha, noutro despeja os detergentes arrumados no armário, nunca se detém nem conforma com a vidinha que lhe querem impôr. Depois, olha-me sereno, a explicar-me que sobrevivência não é bem que aprecie. Cordial, pede a minha compreensão perante mais um atentado e oferece-me um dos seus brinquedos. Não é o perdão que quer, porque, para ele, como para qualquer terrorista que se preze, melhor será a morte que tal sorte. Determinado, este terrorista que vive em minha casa. Muitas vezes, mais se aprende com este terrorista professor do que com os homens. E para que conste, aqui fica o perfil.
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