O disparate é livre. E este pindérico eurodeputado não se inibiu na procura dos seus 5 minutos de notoriedade. A diferença de estatuto é total, do crítico nada ficará na memória do tempo, nem mesmo, talvez, a crítica; o criticado será eterno apesar da crítica. A diferença é que um é português e tem a dimensão do mundo. O outro mais um portuguesito apoiante da selecção nacional, de bandeirita à janela.
Serve talvez o episódio para revelar a verdadeira asfixia, a anti-democrática. A bem da Verdade (essa palavra mentirosa em certas bocas) reconheça-se que são reincidentes, os canalhas. Todos nos lembramos do episódio da rejeição do Evangelho, menos serão os que se lembram do nome do autor, que a fama do absurdo é coisa breve. Mas provinha da mesma Inquisição.
Este país é uma pena. Pequeno até nos aiatolás que gera, sem a dimensão dos perseguidores de Rushdie. Onde estavam eles, que disseram sobre ofensas à fé, quando os Versículos vieram a lume?
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neil
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