sábado, maio 23, 2009

Gran Torino

É a solidez de um homem estruturado na vida real, que adquiriu ao longo da vida as suas ferramentas, todas com nome e uma função bem precisa. Nele não há lugar para instantes de marketing. À sua volta, esvoaçam imagens de vendedores que nunca viveram a alegria de construir uma direcção e destroem o seu tempo na elaboração de estratégias, convencidos de que com a sua actividade imaterial, constroem algo. São dimensões de vida que se não encontram nunca, vidas paralelas sem paralelo possível. Dois momentos do mundo, ocasionalmente desencontrados num tempo indefinido.
Pelo contrário, no vazio envolvente cresce uma vida sem esperança, oca, onde se sente a ausência de futuro a todo o instante. Sim, apesar de tudo, a polícia, nestes casos, acaba sempre por ganhar confinando-os ao presente. Eles são sempre os bons e os maus vão presos. Este mundo indefinido, de contornos imprecisos é, por paradoxo, a consequência de, no mundo normal, o êxito ter passado a depender do nível de vendas e não da realização de motores, direcções e transmissões como no tempo em que se faziam Gran Torinos.
A fita mostra-nos também a morte e o seu potencial de salvação e liberdade. Revela a possibilidade de se não temer aquilo que afinal se sabe certo, deixando o espaço para fazer o que tem de ser feito, ou seja, continuar a dar lições de viver, mesmo que isso implique não prolongar os anos de sobrevivência.
Finalmente, a sabedoria reside no encontrar da eficácia da acção e não na vingança mal pensada ditada pela emoção.
Quanto mais vejo Clint Eastwood, mais pressinto que está para Woody Allen, como Saramago para Lobo Antunes. De um lado, o mundo real nas fábulas sem lugar para mariquices, do outro as inquietações e as cólicas da pieguice burguesa.

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