«Já se não encontra gente dessa hoje em dia». Ouvi no corredor quando chegava ao hospital. É curiosa esta afirmação que traduz a percepção de que, como espécie, estaremos a piorar. Gente dessa era gente com preocupações com os outros, que tinha como valor negativo o individualismo, que achava a hipervalorização pessoal algo de quase criticável. Gente dessa, era afinal gente boa que dava jeito ter à mão. Gente generosa muitas vezes, porque treinada a pensar e a encontrar respostas.
Lembrei-me então de como na época da facilidade de comunicação, é difícil ter gente à mão. Por exemplo, ligamos para um serviço e começam por dar-nos música. Depois, vem a gravação dizer-nos que a chamada está em espera. Segue-se outra gravação (ao vivo), que nos «agradece o tempo que esperámos» e que, após a nossa pergunta, logo nos pede para esperarmos mais um pouco. Momentos depois, retoma a conversa com o novo agradecimento por termos estado à espera. Mas é como se nada estivesse a dizer-nos. Realmente, a jovem não nos está a agradecer nada, está a debitar uma mensagem que lhe gravaram na cabeça. Depois de consultar o algoritmo, sai a resposta. Se não nos convencemos, teremos nova pausa e novo agradecimento gravado e ao vivo minutos depois. E tudo sempre de acordo com o algoritmo, sem margem para pensar, para reflectir, para ter opinião. Afinal não falamos, não comunicamos, do outro lado está apenas um folheador de algoritmos elaborados por entidades ocultas que esperaram ter todas as respostas para as nossas perguntas. Dantes, alguém de quem não sabíamos o nome (agora dizem-nos como se chamam, mas também ficamos sem lhe sabermos os nomes) dizia-nos o que pensava, o que sabia sobre o que lhe perguntávamos. Agora só ficamos com as meias respostas de seres ocultos. Quem nos responde já se habituou a não ter opiniões nem conhecimentos, apenas folheia algoritmos. Desiludidos com isto, destreinamo-nos de questionar, porque o mais certo é não obtermos respostas. Tempo perdido.
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