terça-feira, novembro 16, 2004

Doutoramentos

A cerimónia de doutoramento começa e acaba nisso mesmo, num cerimonial. À partida já se sabe que o candidato a doutor está ali, apenas, para passar por mais uma cerimónia. Os elementos do júri sabem também que lhes compete terem algumas tiradas a dar para o culto e inteligente para abrilhantarem a cerimónia. É assim uma espécie de Tourada à antiga portuguesa, com fatos de cerimónia e esforços de boa faena. Geralmente, o candidato passa vários meses em casa, isto é, sem trabalhar (pelo menos no serviço público) a preparar-se para a coisa, o júri elabora alguns dias antes uns textos mais ou menos apressados para a coisa sair menos mal. Na altura certa, lá se reunem na cerimónia ridícula, trajados comme il faut, cumprimentando-se e saudando-se uns aos outros. Só nas saudações deverão gastar 20% do tempo de intervenção. Discute-se aquilo que muitas vezes mais não é do que um artigo publicável numa revista de médio impacto e depois apresentam-se duas comunicações como se fossem conferências de curta duração numa qualquer reunião dessas que tanto por aí abundam. Pois bem, há mais cuidado com a ortografia. Posto isto, dadas as ferroadas convenientes caso seja indicado de acordo com as circunstâncias, sai mais um Doutor por extenso. Nem se discute o curriculo do candidato...
Assisti mais uma vez a uma cerimónia detsas hoje. Com a inovação louvável de um dos membros do júri não estar com fato de gala. Com a tradição entediante de outros realçarem os seus valores do passado, levados ao extremo da invocação de oito século de tradição na apologia da oração académica. Parece ser aquela obrigação de agradece-me a mim, que eu agradeço-te a ti para nossa glorificação conjunta. No meio da oração, alguns dos membros mergulham religiosamente a cabeça entre as mãos juntas tal a sonolência induzida numa aula Magna à meia luz. O António, sem beca, olhava vagamente o espaço depois de algumas intervenções significantes. Pensaria na Califórnia, talvez. Por momentos percebi esta Faculdade: o passado ora, o presente dorme, o futuro emigra.
Será que quero passar por isto?

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