terça-feira, março 13, 2012

Da curta eternidade

Valerá ocultar o prazer do momento com a realidade? Sim, resta-me uma ideia vaga de ser atirado ao ar, de andar às cavalitas, até de ter umas jardineiras cinzentas, lembro-me do sabor das iscas e do cheiro na cozinha, do desfazer do baço, do molho espesso nas batatas cozidas ao sábado. E dos trigos comidos nas férias do verão com esse supremo recheio de broa de milho. Eram carinhos das avós que ainda estão aqui à custa dessas significâncias. Na pressa do tempo pouco irá sobrar delas depois que um dia este texto não tenha significado algum para quem o ler. Agora, ainda é possível detetar-lhes o cheiro e a textura com que envolviam, o sorriso apoiante que sempre as avós têm. É assim, a nossa eternidade não dura mais de uma ou duas gerações, porque eternidade verdadeira é o ser que fica nas lembranças, mas estas duram enquanto nós duramos. Iludidos há os que pensam que a propriedade, o ter, nos eterniza.
Não há pois, o direito de desperdiçar um sorriso, um olhar cúmplice, um sugerir de caminho. É por eles que duramos mais uns curtos anos, mas sobretudo gozamos uns eternos momentos. Eternidade haverá para os que nos deleitam com a arte que produzem e pouco mais. Nunca para os poderosos e os políticos que ficam de nome pregado numa tabuleta em início de rua, onde todos os que passam lêem o nome e desconhecem em absoluto o gajo que se chamava daquela forma. Nem ao trabalho se dão de ir ver na wikipedia. Essa eternidade poderia ser antes um número ou uma letra se as ruas não fossem mais de 23.

Sem comentários: