terça-feira, dezembro 18, 2007

Separar as águas

A vozinha melodiosa do marketing alerta-nos para os riscos de, no futuro, podermos vir a sentar-nos em meia cadeira, assistirmos só à primeira parte do filme, termos, enfim, só meia vida. É a meia reforma anunciada. Se quisermos a vida inteira, teremos de a entregar às companhias de seguros e desde novinhos.
Nos hospitais, há também em curso uma espécie de meia reforma. O Ministro CC tem sido mal criticado pelas medidas acertadas que tem tomado, mas pouco se deve importar, porque enquanto barafustam contra o registo electrónico do ponto, o fecho das maternidades e dos serviços de urgência (medidas acertadas!), o fundamental vai passando alegremente. E o fundamental deste Ministro reformador, aquilo que a História irá registar do seu período, é o desenvolvimento crescente de um sistema de saúde cada vez menos serviço público e mais sistema privado, ou seja o começo do fim do Serviço Nacional de Saúde e o desenvolvimento do Negócio da Saúde. Não estaremos muito longe do anúncio em que nos avisarão dos riscos de meias cirurgias, meios internamentos, meia saúde, se não fizermos o tal seguro salvador da outra metade da saúde. (Metade é apenas um número, que pode muito bem aumentar até limites insondáveis). É neste contexto, que me parece «coerente» a ideia que por aí anda de que ele vai dar «um prémio» aos médicos, permitindo-lhes reduzir o seu horário de trabalho a 20 horas por semana. Sob o ponto de vista da despesa do ministério nada mais acertado, vai reduzir de forma substancial os gastos e, para cúmulo, os doutores até vão ficar contentes por terem mais tempo para irem ganhar dinheiro noutros lados. Bingo!
Só que, num contexto em que a procura aumenta, a empresa (Serviços de Saúde) que o Professor CC dirige toma a decisão de reduzir a oferta! Estranha estratégia esta. Quando se anuncia a possibilidade de aumentar as vendas, a gerência dispensa os vendedores. Para quê? Não acreditando que o seu objectivo seja deixar sem cuidados a população, resta a hipótese de ser essa uma forma que encontrou de libertar mão de obra para os novos patrões privados, o que pressupõe, é claro, a transferência dos cuidados dos doentes para os serviços de quem tanto tem andado a investir. Os mesmos Mellos, Espíritos Santos e Cia de sempre. Assim se assegura também o negócio. Mas não seria mais certo e mais sério, profissionalizar o sector público com envolvimento dos seus médicos a tempo inteiro, aumentando a produção, criando um Sistema de concorrência em que se acabasse de vez com a promiscuidade?
A opção em curso vai desresponsabilizar de forma progressiva o Estado dos cuidados de saúde, que até pagará numa primeira fase nos privados, mas depois, as coisas mudarão e chegaremos ao dia em que serão os doentes a pagar o restabelecimento da sua saúde e é se quiserem. É o princípio do utilizador pagador trazido para um campo onde o acho inaceitável em nome de princípios de solidariedade de que não deveríamos abdicar.

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