Há quinze dias que não sai de casa para o seu passeio habitual que incluia a visita obrigatória a algumas capelinhas de sua devoção. Um acidente isquémico desequilibrou-lhe a diabetes e atirou-o para o hospital.
Observação do dia:
-Como se chama?
-Augusto.
-Onde mora?
-Em casa.
-E que casa é esta, senhor Augusto?
-Um hospital.
-Como se chama este hospital?
-Hospital de São Cruel.
Parafasia ou lucidez, eis a questão.
quarta-feira, dezembro 19, 2007
terça-feira, dezembro 18, 2007
Separar as águas
A vozinha melodiosa do marketing alerta-nos para os riscos de, no futuro, podermos vir a sentar-nos em meia cadeira, assistirmos só à primeira parte do filme, termos, enfim, só meia vida. É a meia reforma anunciada. Se quisermos a vida inteira, teremos de a entregar às companhias de seguros e desde novinhos.
Nos hospitais, há também em curso uma espécie de meia reforma. O Ministro CC tem sido mal criticado pelas medidas acertadas que tem tomado, mas pouco se deve importar, porque enquanto barafustam contra o registo electrónico do ponto, o fecho das maternidades e dos serviços de urgência (medidas acertadas!), o fundamental vai passando alegremente. E o fundamental deste Ministro reformador, aquilo que a História irá registar do seu período, é o desenvolvimento crescente de um sistema de saúde cada vez menos serviço público e mais sistema privado, ou seja o começo do fim do Serviço Nacional de Saúde e o desenvolvimento do Negócio da Saúde. Não estaremos muito longe do anúncio em que nos avisarão dos riscos de meias cirurgias, meios internamentos, meia saúde, se não fizermos o tal seguro salvador da outra metade da saúde. (Metade é apenas um número, que pode muito bem aumentar até limites insondáveis). É neste contexto, que me parece «coerente» a ideia que por aí anda de que ele vai dar «um prémio» aos médicos, permitindo-lhes reduzir o seu horário de trabalho a 20 horas por semana. Sob o ponto de vista da despesa do ministério nada mais acertado, vai reduzir de forma substancial os gastos e, para cúmulo, os doutores até vão ficar contentes por terem mais tempo para irem ganhar dinheiro noutros lados. Bingo!
Só que, num contexto em que a procura aumenta, a empresa (Serviços de Saúde) que o Professor CC dirige toma a decisão de reduzir a oferta! Estranha estratégia esta. Quando se anuncia a possibilidade de aumentar as vendas, a gerência dispensa os vendedores. Para quê? Não acreditando que o seu objectivo seja deixar sem cuidados a população, resta a hipótese de ser essa uma forma que encontrou de libertar mão de obra para os novos patrões privados, o que pressupõe, é claro, a transferência dos cuidados dos doentes para os serviços de quem tanto tem andado a investir. Os mesmos Mellos, Espíritos Santos e Cia de sempre. Assim se assegura também o negócio. Mas não seria mais certo e mais sério, profissionalizar o sector público com envolvimento dos seus médicos a tempo inteiro, aumentando a produção, criando um Sistema de concorrência em que se acabasse de vez com a promiscuidade?
A opção em curso vai desresponsabilizar de forma progressiva o Estado dos cuidados de saúde, que até pagará numa primeira fase nos privados, mas depois, as coisas mudarão e chegaremos ao dia em que serão os doentes a pagar o restabelecimento da sua saúde e é se quiserem. É o princípio do utilizador pagador trazido para um campo onde o acho inaceitável em nome de princípios de solidariedade de que não deveríamos abdicar.
Nos hospitais, há também em curso uma espécie de meia reforma. O Ministro CC tem sido mal criticado pelas medidas acertadas que tem tomado, mas pouco se deve importar, porque enquanto barafustam contra o registo electrónico do ponto, o fecho das maternidades e dos serviços de urgência (medidas acertadas!), o fundamental vai passando alegremente. E o fundamental deste Ministro reformador, aquilo que a História irá registar do seu período, é o desenvolvimento crescente de um sistema de saúde cada vez menos serviço público e mais sistema privado, ou seja o começo do fim do Serviço Nacional de Saúde e o desenvolvimento do Negócio da Saúde. Não estaremos muito longe do anúncio em que nos avisarão dos riscos de meias cirurgias, meios internamentos, meia saúde, se não fizermos o tal seguro salvador da outra metade da saúde. (Metade é apenas um número, que pode muito bem aumentar até limites insondáveis). É neste contexto, que me parece «coerente» a ideia que por aí anda de que ele vai dar «um prémio» aos médicos, permitindo-lhes reduzir o seu horário de trabalho a 20 horas por semana. Sob o ponto de vista da despesa do ministério nada mais acertado, vai reduzir de forma substancial os gastos e, para cúmulo, os doutores até vão ficar contentes por terem mais tempo para irem ganhar dinheiro noutros lados. Bingo!
Só que, num contexto em que a procura aumenta, a empresa (Serviços de Saúde) que o Professor CC dirige toma a decisão de reduzir a oferta! Estranha estratégia esta. Quando se anuncia a possibilidade de aumentar as vendas, a gerência dispensa os vendedores. Para quê? Não acreditando que o seu objectivo seja deixar sem cuidados a população, resta a hipótese de ser essa uma forma que encontrou de libertar mão de obra para os novos patrões privados, o que pressupõe, é claro, a transferência dos cuidados dos doentes para os serviços de quem tanto tem andado a investir. Os mesmos Mellos, Espíritos Santos e Cia de sempre. Assim se assegura também o negócio. Mas não seria mais certo e mais sério, profissionalizar o sector público com envolvimento dos seus médicos a tempo inteiro, aumentando a produção, criando um Sistema de concorrência em que se acabasse de vez com a promiscuidade?
A opção em curso vai desresponsabilizar de forma progressiva o Estado dos cuidados de saúde, que até pagará numa primeira fase nos privados, mas depois, as coisas mudarão e chegaremos ao dia em que serão os doentes a pagar o restabelecimento da sua saúde e é se quiserem. É o princípio do utilizador pagador trazido para um campo onde o acho inaceitável em nome de princípios de solidariedade de que não deveríamos abdicar.
segunda-feira, dezembro 17, 2007
Espera
Consegui transmitir algum conhecimento, mas muito mais difícil que transmitir a ciência, é transmitir as maneiras, as atitudes, numa altura em que deixaram, em certa medida, de ser necessárias a quem as deve usar, porque pressupõem o abismo a todo o momento. Na falta da velha cultura, têm uma de suicidários, vivendo de crédito (mal parado, necessariamente) e sem qualquer esperança no futuro, tendo apenas por bússola o instante em que estão a sobreviver.
Por isso espero, quando nunca fiz esperar. Eu tinha esperança no futuro, eles nem por isso.
Por isso espero, quando nunca fiz esperar. Eu tinha esperança no futuro, eles nem por isso.
sábado, dezembro 15, 2007
Agradecimento
É bom sentir, passados 53 anos, que a surpresa ainda é das melhores coisas que nos podem acontecer. Nem de propósito, poder experimentar isto, neste clima das normas onde se pretende tudo prever e matar a surpresa. A vidinha toda programada, sem êxtases nem sobressaltos, não obrigado! Pode ser que isso facilite a administração do sistema, a geração do valor e o diabo que os carregue, mas tira a graça toda a esta coisa efémera do passar por aqui.
Obrigado por me surpreenderem!
Obrigado por me surpreenderem!
sexta-feira, dezembro 14, 2007
Normas
Repetem-me, até à exaustão, nestas aulas que qualidade é satisfação do cliente. Curiosamente, pouco se pergunta ao cliente como quer ser satisfeito. Em vez disso, alguém disfarçado de deus vai estabelecendo normas (vendidas a peso de ouro), que um exército de auditores irão depois verificar e declarar a conformidade das acções. Assim se assegura a segurança e a qualidade, se criam manuais de procedimentos volumosos para autómatos executarem a voz de Deus. Aos poucos, por esta via, deixaremos de comer pataniscas, beberemos o café em copos de plástico, proibem-nos os produtos da horta, vai-se o queijo da serra e, ainda acabamos todos a cantar o hino de mão no peito como oração da manhã. Toda a autenticidade da diferença desaparecerá numa imposição eugénica que fará Hitler parecer um anjo. Por este caminho, em vez de uma vida, temos um dia-a-dia de morte certa e segura de acordo com a Norma. É para isso que andamos aqui? Qual o gozo do colesterol normal à custa de só se comer queijo fresco?
terça-feira, dezembro 11, 2007
Para variar a maledicência
Nenhuma primeira página de jornal, o telejornal abre com a vitória do Porto. Saber que em cada 1000 miúdos nascidos cá na terra, só 3,3 morrem no primeiro ano é um resultado desprezível que não interessa mostrar, tanto mais que a maior parte dos putos têm a mania estranha de nascer em hospitais públicos e as mães continuam a receber os cuidados de saúde materna pública. É um paradoxo isto que acontece e de tal modo inexplicável que o melhor é ignorar.
Mas não se pode ignorar tudo e vale a pena perguntar a quem se deve o que se pensa do que se faz. E mais uma vez, as «vítimas» surpreendem e, por isso, não serão NUNCA notícia.
Mas não se pode ignorar tudo e vale a pena perguntar a quem se deve o que se pensa do que se faz. E mais uma vez, as «vítimas» surpreendem e, por isso, não serão NUNCA notícia.
segunda-feira, dezembro 10, 2007
Nota breve
Giro ver, de repente nos parceiros da urgência aqui em baixo à direita, um pontinho verde na Austrália. Mundo pequeno.
Paris-Lisboa
1. Paris
Não tem sido fácil encontrar espaço no tempo. Hoje surgiu uma aberta para me lembrar de Paris outonal ainda sem frenesins de Natal e com os streeses de um tempo que querem acabar. Na Praça da Concórdia protestavam juízes, nas ruas da Sorbonne acumulavam-se as carrinhas azuis cheias de ninjas prontos para a acção, mas indiferente a tudo na praça um sem abrigo lançava, um após outros, resíduos de plástico e metal para dentro da fonte tentando acertar não se sabe muito bem onde, num jogo de pontaria de que só ele entendia as regras e em que, aqui e além, havia lugar a um esgar de vitória. A greve dos transportes acumulava os transportes na superfície e todos pareciam pacientes, compreendendo o desfilar do Outono.
Paris desta vez foi uma compreensão diferente. Fora do Verão, menos japoneses a tirar fotografias, as folhas castanhas e vermelhas pelo chão, eu mais sereno, talvez outonal também, gozei o frio azul do céu no vai-vém sem destino absolutamente planeado numa agenda preenchida. Do Arco do Triunfo à Concórdia num desentorpecer de pernas como ambientação e depois até à Ponte Nova, junto ao Sena por baixo do Outono sempre presente, sentindo a cidade mantida igual sempre que cá se vem e ao mesmo tempo sempre nova pela maneira como a vemos. Dia seguinte de Marais, museu Picasso e Place des Vosges num deambular por uma espécie de cidade de província dentro da outra. De tarde a ilha e o Quartier Latin e Saint Michel de correrias de compras. Livrarias e restaurantes olhados e saboreados com o tempo que tive. Noite em Monmartre com cantores de há 40 anos e pintores em fim de dia. Descida até Pigale passando ao lado do Moulin de la Gallete sem baile, apenas encantado de noite.
No terceiro dia, vestimos o fato de turista e fizémos a coisa completa, Versalhes de manhã e tour de ville pela tarde, subida à Torre Eiffel e acabado com passeata de barco no rio e jantar de racletes.
Faltava, no dia do regresso, a Opera onde a visita guiada ficou frustrada após mais de uma hora de espera (coisas de greves? francesices?). Ninguém disse o porquê, mas em férias tudo se tolera melhor. Para acabar o Museu d'Orsay para contemplar as impressões e as sompras suspensas que percorrem os vidros do fundo da estação.
2. Lanzarote
Aquilo é uma colónia de férias, de casinhas brancas pequenas em manchas dispersas no negro. Não quero saber, estava de férias e estava sol.
Timanfaya foi uma visão negra da lua com a surpresa de um passeio de camelo a que a chuva trouxe novidade. Estranho estar em cima do bicho, movendo-se absolutamente sem mudar as rotações, indiferente ao molhar das calças. No fim sorria com ar de camelo a ver a corrida até aos autocarros.
O dia seguinte foi de romagem a Cesar Manrique, de que guardo a visão de Mirador del rio ao norte da ilha e tento esquecer a Cueva de los verdes. Puerto del Carmen à noite é uma Albufeira sem graça. Choviscava à volta.
Na manhã seguinte, ainda escrevi na agenda:
Correr a cortina e ver a ilha lá ao longe. Abrir a janela e ver o mar. Choveu, mas no ar não existe o cheiro de terra molhada. Nesta terra não há terra, apenas um pó preto onde nos apoiamos há 300 anos. Aqui tem-se a percepção da limitação do tempo em que cá estamos. Sobre a lava solidificada andam líquenes que a vão tornar terra daqui a centenas de anos. Entretanto fomos e testemunhámos apenas um instante de vida. Nestes momentos é que aprendemos a medir as coisas.
3. Lisboa
Deram-me há dois dias uma medalha. Vai ser uma coisa preciosa daqui a alguns anos por recordar um tempo em que as pessoas eram funcionários (colaboradores, agora) de uma empresa (organização, agora) durante 25 anos na mesma casa. Foi um momento estranho porque éramos muitos a fazer anos e porque nestes anos nunca tinha visto alguns deles. Os nossos mundo estão fechados muitas vezes. Quie fazemos do tempo que temos? Que farão os CEO daqui a uns anos sem ninguém para medalhar? Valor, claro, gerarão valor. E o valor da estabilidade, não o é? Talvez seja, que ouvi dizer, em Paris, não na que visitei, mas noutra mais à volta, já vai havendo sobressaltos. Quem sabe se a precaridade não atingirá os donos do sistema, mais cedo do que eles pensam.
Não tem sido fácil encontrar espaço no tempo. Hoje surgiu uma aberta para me lembrar de Paris outonal ainda sem frenesins de Natal e com os streeses de um tempo que querem acabar. Na Praça da Concórdia protestavam juízes, nas ruas da Sorbonne acumulavam-se as carrinhas azuis cheias de ninjas prontos para a acção, mas indiferente a tudo na praça um sem abrigo lançava, um após outros, resíduos de plástico e metal para dentro da fonte tentando acertar não se sabe muito bem onde, num jogo de pontaria de que só ele entendia as regras e em que, aqui e além, havia lugar a um esgar de vitória. A greve dos transportes acumulava os transportes na superfície e todos pareciam pacientes, compreendendo o desfilar do Outono.
Paris desta vez foi uma compreensão diferente. Fora do Verão, menos japoneses a tirar fotografias, as folhas castanhas e vermelhas pelo chão, eu mais sereno, talvez outonal também, gozei o frio azul do céu no vai-vém sem destino absolutamente planeado numa agenda preenchida. Do Arco do Triunfo à Concórdia num desentorpecer de pernas como ambientação e depois até à Ponte Nova, junto ao Sena por baixo do Outono sempre presente, sentindo a cidade mantida igual sempre que cá se vem e ao mesmo tempo sempre nova pela maneira como a vemos. Dia seguinte de Marais, museu Picasso e Place des Vosges num deambular por uma espécie de cidade de província dentro da outra. De tarde a ilha e o Quartier Latin e Saint Michel de correrias de compras. Livrarias e restaurantes olhados e saboreados com o tempo que tive. Noite em Monmartre com cantores de há 40 anos e pintores em fim de dia. Descida até Pigale passando ao lado do Moulin de la Gallete sem baile, apenas encantado de noite.
No terceiro dia, vestimos o fato de turista e fizémos a coisa completa, Versalhes de manhã e tour de ville pela tarde, subida à Torre Eiffel e acabado com passeata de barco no rio e jantar de racletes.
Faltava, no dia do regresso, a Opera onde a visita guiada ficou frustrada após mais de uma hora de espera (coisas de greves? francesices?). Ninguém disse o porquê, mas em férias tudo se tolera melhor. Para acabar o Museu d'Orsay para contemplar as impressões e as sompras suspensas que percorrem os vidros do fundo da estação.
2. Lanzarote
Aquilo é uma colónia de férias, de casinhas brancas pequenas em manchas dispersas no negro. Não quero saber, estava de férias e estava sol.
Timanfaya foi uma visão negra da lua com a surpresa de um passeio de camelo a que a chuva trouxe novidade. Estranho estar em cima do bicho, movendo-se absolutamente sem mudar as rotações, indiferente ao molhar das calças. No fim sorria com ar de camelo a ver a corrida até aos autocarros.
O dia seguinte foi de romagem a Cesar Manrique, de que guardo a visão de Mirador del rio ao norte da ilha e tento esquecer a Cueva de los verdes. Puerto del Carmen à noite é uma Albufeira sem graça. Choviscava à volta.
Na manhã seguinte, ainda escrevi na agenda:
Correr a cortina e ver a ilha lá ao longe. Abrir a janela e ver o mar. Choveu, mas no ar não existe o cheiro de terra molhada. Nesta terra não há terra, apenas um pó preto onde nos apoiamos há 300 anos. Aqui tem-se a percepção da limitação do tempo em que cá estamos. Sobre a lava solidificada andam líquenes que a vão tornar terra daqui a centenas de anos. Entretanto fomos e testemunhámos apenas um instante de vida. Nestes momentos é que aprendemos a medir as coisas.
3. Lisboa
Deram-me há dois dias uma medalha. Vai ser uma coisa preciosa daqui a alguns anos por recordar um tempo em que as pessoas eram funcionários (colaboradores, agora) de uma empresa (organização, agora) durante 25 anos na mesma casa. Foi um momento estranho porque éramos muitos a fazer anos e porque nestes anos nunca tinha visto alguns deles. Os nossos mundo estão fechados muitas vezes. Quie fazemos do tempo que temos? Que farão os CEO daqui a uns anos sem ninguém para medalhar? Valor, claro, gerarão valor. E o valor da estabilidade, não o é? Talvez seja, que ouvi dizer, em Paris, não na que visitei, mas noutra mais à volta, já vai havendo sobressaltos. Quem sabe se a precaridade não atingirá os donos do sistema, mais cedo do que eles pensam.
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