terça-feira, agosto 03, 2004

Os gritos do medo

Esta não é uma actividade simples. Não basta trabalhar, produzir simplesmente o que esperam que façamos. Nesta vida, o problema é exactamente esse, a vida. A relação não é bem com o patrão, é mais com Deus ou com o Diabo através de interposta pessoa. Não há luta sindical possível, a guerra é com limites e, muitas vezes, tudo é obra de instantes. É preciso estar alerta, fazer nesse instante exacto o que no seguinte é irreversível. Não basta saber tudo, fazer tudo, é necessário que os deuses ajudem e os diabos não compliquem.
Por isso, há reacções exageradas, por vezes histriónicas por medo. É a tentativa de afastar os fantasmas a todo o custo. Mas, às vezes, sofre quem está à volta. Nessas alturas temos de perceber que esta profissão não é uma profissão qualquer e entender serenamente a agitação dos dias.
Aos poucos, instalados nos anos, vamos tendo momentos em que a contemplação destes fenómenos se vai tornando mais possível, obtendo a verdadeira dimensão das coisas. Nesses momentos, agradecemos aos fantasmas que encontrámos no caminho, os nossos mais definitivos mestres dos instantes. Curioso, como ficaram agarrados a nós, sem nos largarem nunca mais. Timidamente, dizemos-lhes, baixinho: obrigado! (ou, também: que Deus me perdoe!)

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