segunda-feira, janeiro 13, 2014

O primeiro será sempre... apenas um

A maior dificuldade é criar mercado para as verdades inconvenientes e acabamos cercados. Entregues ao consumo dos restos que um número cada vez menor de pouca gente vai deixando cair para entreter as fomes das multidões, fomos deixando de perceber o mundo em que vivemos. E não só deixámos de perceber os seus mecanismos, como fomos progressivamente convencidos a deixar de ter interesse em o entender, delegando para os sábios essa tarefa, que agora nos é servida por governantes de soluções únicas apoiados em comentadores de pensamento único. Estamos perto de uma ditadura consentida, muito diferente daquelas contra o que se lutou, porque naquele tempo ainda era percetível a sua perfídia. Agora vivemos envoltos em modelos de triunfantes, existentes não para seguirmos algum modelo de exemplo, mas somente para os vangloriarmos na aceitação de que o seu triunfo é uma espécie de decisão dos deuses (logo agora que tínhamos quase liquidado deus) e o seu estatuto algo de inacessível porque são únicos, diferentes, seres superiores de outra galáxia, porventura. É na adoração da sua singularidade que tudo se sacrifica e justifica. Servem para ajudar à perceção da diferença abissal que justifica o aumento do fosso entre o pouco e a multidão, como se o desígnio da obra coletiva fosse levá-los sempre mais além. Organizam-se campanhas para termos o melhor futebolista do mundo, para que nos anestesiemos sentindo-nos a compartilhar um pouco desse triunfo, o que alivia a dor do nosso quotidiano. Olharemos as senhoras Merkel deste mundo com um sentimento de vingados. Afinal o melhor é nosso, sem que tenhamos uma única ação desse ativo. Mas há um sonho, um delírio a que o anestésico nos conduz. Nestes tempos, os ídolos são o ópio do povo. Assim é possível não se perceber que o ideal não é o do triunfo do sujeito singular, mas seria o da vitória do grande coletivo e os sábios governantes, economistas, advogados, jornalistas, comentadores e outros sabidos vomitam-nos diariamente o seu pensamento único da satisfação com os triunfos que não se sentem. Os triunfos nos mercados, nas taxas, nas miragens do futuro contrastam com as listas de espera, as filas para a sopa, as fugas para o estrangeiro e outras realidades menos importantes ao lado dos forecasts fantásticos que se organizam. Longe ainda estão os tempos em que a função primeira da gestão das organizações não será a criação de valor para os poucos acionistas, mas a geração de condições dignas de trabalho para a multidão e a eficiência das empresas se medirá não pela sua rentabilidade imediata, mas antes pela capacidade de criar emprego em função do capital investido. Mas como dizia o outro, ha lebres e tartarugas e melhor que chegar mais cedo no curto prazo, será chegar mais longe na história. A história ainda não acabou, e a verdade é que as lebres sempre se cansam mais cedo do que as tartarugas e, possivelmente, mais importante que chegar depressa, à frente, sozinho, será chegar longe acompanhado. Um dia perceber-se-á que não é a vitória de um que salva a vida de todos e aí, alguma coisa vai mudar.

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