sábado, maio 15, 2010

Riscos

Nas doenças e morte precoce dos amigos, vou encontrando a necessidade de ser muito responsável no dia-a-dia da vida. Aí se percebe que não há justificação para a distracção do tempo nem para o adiar da apreciação do quadro, do livro, da peça de teatro ou da partilha de um vinho tinto com queijo em fim de tarde. É muito imprudente guardar as garrafas na adega à espera do dia certo, porque qualquer um pode, afinal, ser o último. A lição é que a vida é urgente todos os dias e a eternidade um privilégio dos crentes. A nós, se não nos cuidarmos, resta-nos a pequena consolação de ficarmos a beber sozinhos, com a lembrança deles, num esforço quase vão de os imortalizar. Mas isso, não é a mesma coisa.

quinta-feira, maio 13, 2010

Mar e mar

Podem dizer que era um mar de gente, porque os mares são de muitos tamanhos e até os há que são mortos de nome. E gente também a há de muitas formas, se bem que às massas mediáticas nem sei se gente se pode, em boa verdade, chamar. Pode dar-se o caso de quando só se vê, nem se estar verdadeiramente a existir, que isso é mais agir e pensar que observar embevecido na contemplação. Aí, pode mesmo mergulhar-se numa alienação de existência. Custa-me a entender a diferença entre um concerto roqueiro na Bela Vista e o tal mar de gente na Cova da Iria. Há outra energia noutros rios de gente, (porque os rios fluem e os mares estão estagnados), como foram aqueles do 1º de Maio de 74 ou o da despedida ao Álvaro Cunhal (onde nem sequer houve necessidade de tolerância de ponto).

quarta-feira, maio 12, 2010

Tristes

Chega quase a ser angustiante ver gente assim mal amada e sem paixão. Alheados do mundo, perseguidos por ideias, medrosos de nunca irem atingir os seus sonhos de domínio. Pena não se apaixonarem por algo que valha a pena e ao mesmo tempo, neste seu desespero, tornarem-se repelentes da paixão dos outros.

terça-feira, maio 11, 2010

Deixem-nos trabalhar!

Deixem-nos trabalhar! Disse um dia o timoneiro que raramente se enganava. Estranhamente desta vez nada disse. Só por leviandade ou mau cálculo político se pode ter tomado a decisão de dar tolerância de ponto por causa da visita do Papa. De uma assentada, perderam toda a argumentação da justificação do não às greves pela situação económica miserável em que se está. Ou não será o prejuízo da falta de um dia de actividade o mesmo por uma ou outra razão cujo efeito é idêntico?
Mais estranho, o facto de a tolerância ser limitada ao sector público. Parece a aceitação da ideia que aqui nada se faz e, por isso, mais folga menos folga, tudo bem. Será que a decisão, afinal, não foi assim tão leviana e tem por objectivo, uma vez mais, desacreditar o sector, identificando os seus trabalhadores como calaceiros? A confusão adensa-se quando alguns decidem vir trabalhar, porque o trabalho lhes parece inadiável.
Obviamente, nada me move contra o senhor e até tenho alguma solidariedade para com alguém que está privado das mais elementares liberdades e tem, por exemplo, de se deslocar num ridículo carro envidraçado, não pode ir ao quiosque comprar o jornal, não pode dizer ou escrever o que lhe vai na cabeça (no caso parece que, realmente, às vezes melhor será estar calado). Há nesta função uma esquizofrenia de poder e de sofrer a sua prisão e isso faz-me sentir alguma pena, sinceramente, do sujeito.

Uma nova dimensão


Lá o tempo volta a ter a dimensão que o tempo tinha. Lá, onde ainda não há televisão nem e-mail, o tempo estica. Mas não é só o tempo, também o espaço tem personalidade, mudando ao ritmo da semana a cor dos pormenores. A distância faz o resto de me fazer sentir mais longo. Lá, quer o espaço, quer o tempo voltam a ter a dimensão da vida. E há instantes em que parece que van Gogh renasceu no contornado das árvores dirigidas às nuvens tormentosas. Pequenos nos fazem as cidades grandes.

quarta-feira, maio 05, 2010

Roubo

Se o dinheiro se não evapora, quando sai de um lado, irá para o outro. Isso faz-me pensar que alguém haverá que ganha com as crises. Por isso, soa-me a roubo, isso de tirarem aos gregos os dois meses de subsídios anuais. Em contas simples, representa uma perda de rendimento de 14%. Para onde vai?

segunda-feira, maio 03, 2010

Este país dava um filme

Quanto mais escasso é o tempo que resta, menos tempo o tempo dura. Não deixa o tempo, tempo para contar o que dele se faz e as pausas ficam maiores cheias de tempo cada dia mais fugaz. Até que chega um dia imprescindível e temos mesmo de ter tempo.
Anda alguém a querer olhar para trás e só isso explica que se dedique a roubar um retrovisor. Dei por isso, num dos automatismos de olhar para a esquerda a ver se vinha alguém. Não, quem não vinha era o retrovisor, impecavelmente destacado do seu lugar e depois foi um dia de aventura. A aventura começa aqui dizia na página da Entreposto Nissan e não era para menos. Liga-se o apoio ao cliente À procura do preço de um retrovisor e uma simpática call center girl, logo nos informa do número para que temos de ligar. Liga-se o número e fica-se a ouvir bips durante 10 minutos passados os quais decido voltar a interpelar a tal call center girl, que desta vez fica com o meu contacto para me contactar logo que possível. Quando? É coisa que nunca se sabe ao certo. Segunda parte do plano, contactar a companhia de seguros, onde tenho ao longo de 10 anos depositado religiosamente mais de 300 euros por ano para um seguro de furto ou roubo. Vamos lá a ver quem furta, que as garantias ainda vão ter de ser confirmadas. Mas que sim, que posso ir comprando a peça, que se for o caso de a apólice cobrir o dano, depois me compensarão. Mas terei de ir participar o roubo à PSP. É então que me dirijo ao centro de atendimento mais perto, no Centro Comercial Colombo, onde um dos 4-funcionários-4, me começa por dizer que a coisa está demorada, tenho 5 clientes à minha frente e apesar de serem 4, o melhor será ir fazer umas compras e voltar umas horas depois ou então ir à superesquadra ali para Benfica. É que aqui, apesar de haver 4 agentes apenas existe um computador e portanto... A informática, penso eu, bloqueia tudo. Mas porque raio não escrevem à mão estes fulanos? Ou então, se aqui não têm que fazer, poderiam talvez andar na rua a ver o que se passa.
Cheio de energia e optimismo chego à tal esquadra super guardada à porta por uns quinze agentes, vestidos de forma trendy com fatos que nem COPS a dizer POLICIA nos costados, em alegre galhofa cheia de bués e chavalos para aqui e para acolá. Ao que venho? Lá lhe explico e dizem-me para aguardar. Tempo é coisa que não falta nestes locais, ao que imagino. E está bem, que só aqui vem quem não tem mais nada que fazer, pois o resultado é antecipadamente conhecido: se não desconfiamos de alguém, que queremos que a polícia faça? E de novo à espera, vou olhando em volta e fico a saber os direitos dos arguidos afixados em cartaz (e os meus?)e vejo o corropio dos agentes dentro e fora e reparo nas enormes botas que usam que devem ser pesadas para burro e não dar jeito nenhum para perseguir alguém. Olho também para a máquina multibanco dentro da esquadra e penso que deve ser um teste à capacidade dos ladrões. Um desafio, tipo vejam lá se tiram esta daqui. Estava eu no meio disto quando uma hora depois lá me chamaram para o depoimento. Feito o dito, comunicam-me que se eu encontrar alguém suspeito posso fazer um processo crime contra o tal ou passados 6 meses o processo será arquivado. Fico tranquilo e dão-me um papel para comunicar à Seguradora. Um dia repousante. Pelo caminho de regresso a casa, penso que este país daria um filme.