quinta-feira, julho 08, 2010

Velório

Quase de propósito tinha acabado de ler «A sombra do que fomos» do Luís Sepúlveda dias antes de entrar naquele local solene onde encontrei muitos dos que foram. Na verdade, pareceram-me sombras tristes apesar do triunfo a que alguns chegaram sem nunca conseguirem dar forma ao corpo que tiveram. Não, mesmo descontando a ambiente pouco convidativo à boa disposição, olhando-os encontrei sobretudo a tristeza, não por terem falhado, mas sobretudo a de não terem mais a esperança, que, alguma vez, as alvoradas hão-de cantar. Há um conformismo de derrota induzido pela brevidade da vida, que lhes desfoca o olhar que foi vivo e agora morre em vazios sem alternativa. Ainda foram a tempo de bem-estar, mas a grande certeza que têm é que deixam aos que se seguem um mundo de dúvida, virtual e frágil. Há, por isso, uma inquietação do ar e algum alívio por saberem que os que partem o fazem na ignorância vivida do desastre completo.
As sombras vagueiam em movimentos lentos quase não tocando o chão num pudor mal percebido. Os velórios são, geralmente, a celebração dos que ficam, mas aqui notei alguma inquietude no ficar, um quase desejo de acompanhar o que parte numa atitude de demissão final, deixando a pairar a ideia translúcida da solidariedade, que os novos olhos dificilmente conseguem enxergar.

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