Há instantes em que o silêncio nos ocupa o tempo todo. Fica a voz sufocada, suprimida pela imensidão do que acontece. Esgoto o tempo nas ideias e fico sem tempo para as descrever. É um overflow paralisante. A inacção decorre da intensidade da vida e sem querer percebi que já passou mais de um mês. Na esmagadora força do tsunami vou boiando sem tentar sequer segurar os postes, gozando a velocidade da corrente. Nada fica registado fora da memória da intensidade dos dias.
Por estes dias passados aconteceram terramotos, guerras, consumiu-se o tempo na avidez da busca dos corruptos (que são sempre os outros), optou-se por gastar no que o poder decide, retirando aos mesmos de sempre o pouco que lhes resta, a crise continua como desde há centenas de anos instalada e para ficar a tramar quem pouco pode. Um dia virá uma Bastilha, um qualquer Abril, um palácio Imperial cairá e logo a seguir se reerguerá porque a natureza (humana?) é assim mesmo. De tão igual que importância tem? Estranha esta nossa fixação no pouco relevante, que passa ao lado das nossas vidas.
De registo três eventos deste tempo:
A perda do amigo que surgiu de repente caído do acaso no nosso conhecimento e se revelou imenso na generosidade, na tranquilidade inquieta de estar e na sabedoria que tinha para mostrar a terra que adoptou, a sua forma de olhar o mar, provar a comida do mundo e beber o bom vinho que a terra nos dá. So many wines, so little time, sábia mensagem na t-shirt de Margaret Valley, miseravelmente menos do que o tempo que merecíamos. São instantes destes que me fazem compreender o conceito de persistência e a ideia meio estúpida da imortalidade. Quando há amigos, ficamos mesmo quando não estamos.
Neste tempo também houve o grande conflito interno de decidir entre o que fazer perante o direito de viver por conta a partir dos 55 e o dever de manter actividade útil a quem dela pode usufruir por vivermos num país de civilização onde a saúde é gratuita. Prevaleceu a afirmação a minha história na recusa de servir o negócio da saúde. É uma decisão meio quixotesca, economicamente pouco justificável, que não resiste à mais elementar análise custo-benefício material. Mas a vida vai além da matéria e depois da decisão isso ficou bem claro para mim. Pode ter sido uma escolha errada, mas até agora, foram as escolhas sempre certas. Por isso, tenho, ainda assim, o direito de me enganar alguma vez.
Finalmente, foi também tempo de saborear o charme, de materializar a poesia. Um dia assim pode ser quase perfeito. Foi a escolha deles, que já voaram bastante e prometem desta forma manter-se na busca de novos rumos e destinos. As viagens são sempre novas descobertas, gostosas surpresas sem fim, por vezes também turbulências, que com o treino e a vontade se vencem acabando por enriquecer as experiências. Em cada viagem nos acrescentamos um pouco mais, fica-se mais grande. É esse o rumo.
E se ainda me não reformei das viagens, tenho a boa sensação do gozo que é ver voar quem o faz bem. Como, quando miúdo, íamos para o terraço do aeroporto ver descolagens e aterragens.
2 comentários:
muito bonito o que dizes sobre o luto e a felicidade
muito bonito mesmo ;)
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